Sábado, 30 de abril de 2022 - 08h05
No meio do salão Brasil há manifestações contraditórias e, mesmo
assim, cheias de sentido e significado, dispostas entre o barulho infernal das
redes e o incrível silêncio dos que estão de esgueira, apenas brechando os
acontecimentos ou que se mantêm bem longe deles, por escolha, medo,
impossibilidade, ou mesmo pela própria sanidade. Mas apure sua percepção: o
silêncio já ruge. E pode ser o que modificará o futuro.
Não precisa de copo na parede com o ouvido encostado. Nem
adiantaria, para a ampla maioria ainda não há sons, palavras de ordem, não há
opinião formada, apenas o segredo e o acompanhamento silente vindo de muitos
que estão aqui nesse mesmo chão, suportando, como nós, tanta realidade junta,
lutando pela sobrevivência. Muitas vezes apenas sem acesso a canais de
descarrego ou imobilizado até algum momento onde o que sente será dito,
pronunciado. Ou não. Não são cegos – tudo veem; não são surdos, nem
insensíveis. Estão atingidos – a certeza.
O rompimento pode ser apenas aquele momento de apertar o
botão verde de “Confirma”, e logo depois ouvir, sim, aquele sonoro barulhinho
indicando que o voto foi computado.
Alguns meses angustiantes ainda nos separam desse momento,
e até lá estaremos sendo surpreendidos continuamente. O certo mesmo, agora, é
que toda a comunicação anda truncada, difícil, às vezes até bastante violenta,
já que essa dimensão aparenta agora ter obrigatoriamente apenas dois lados,
antagônicos, direções para onde forçosamente deve ser feita a adesão; e isso
não é verdade.
Então, o silêncio, o resmungo, a perigosa omissão. Só isso
pode explicar esse ar parado nas ruas, mesmo diante de tanta ventania varrendo
a razão, a lógica, o bom senso, qualquer mínima normalidade bombardeada pelo
contrário do silêncio, e ao qual estamos sendo submetidos - à verborragia
desatada dos que se adiantam tentando laçar corações e mentes mais distraídos
de uma população tão cheia de contrastes. Como sempre não tem bonzinho na
história.
O silêncio ruge. Murmúrios audíveis apenas a aqueles que
têm mais experiência, sensibilidade e disponibilidade para ouvi-los estão em
todas as partes: no transporte coletivo, horrorizados diante das gôndolas dos
supermercados, nas feiras, nos bares e em todos os inúmeros locais onde
desabafos de gente comum ocorre na vida real. São eles, gritos parados no ar,
que não nos dão a certeza absoluta de que as pesquisas que agora pululam
publicamente – há as que são trancadas a sete chaves pelos contendores, essas
sim sempre mais intestinas – já retratem fielmente o pensamento nacional. Há
sim uma oposição maior a ser reunida, que precisa se encontrar, entender que
pior que está, ficará, e que toda ela será dinamitada se não ceder.
O que falta é o caminho. O estrondo explosivo só possível
com a união de forças em torno de uma pauta comum, mínima, mas comum, por uma
democracia contundente e compreensível à maioria, que torne possível a
construção de algum projeto nesse momento tão especialmente delicado que vivemos,
e não só aqui.
O silêncio pode guardar a esperança. E também vem
demostrando o desprezo. Às instituições, inclusive algumas poucas ainda
guardiãs do que nos resta. Demonstram a insatisfação e descrença. A
incredulidade e o grande desapontamento com o apoio e a traição na história de
heróis de barro que se desmancham rapidamente.
Temos cada vez menos tempo nesse relógio mais barulhento em
tique-taques a partir desse mês, os prazos. Para buscar recuperar algum ânimo.
Poucos dias para fazer chegar aos mais jovens a necessidade de sua participação
no processo que especialmente lhes dirá respeito em suas vidas. Que possam
saber identificar os perigos, inclusive vindos da tecnologia que cria um bando
de “gente”, robôs, que além de não existirem, opinam, desinformam, insuflam,
manipulados criminosamente como os mudos marionetes presos a fios que, se
olhados atentamente, os fios estarão bem visíveis.
É preciso escutar o silêncio e todos os seus significados,
muito além do toque de recolher.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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