Sábado, 7 de maio de 2022 - 11h42
De joelhos, no Congresso, em encontro evangélico, orando palavras
pouco audíveis, toda emocionada, com cara chorona, molhada, consternada,
pedindo a “cura” do Brasil. O teatral ato de Michele Bolsonaro, acaso a esposa
do presidente, que me recuso a chamar de dama, muito menos de primeira-dama,
desnecessário, foi um desrespeito total ao Estado laico, ao espaço público,
afronta à nossa inteligência e especialmente às mulheres, que eles acham que no
meio dessa balbúrdia conquistarão assim
De tudo isso só sobra a ideia de que precisamos mesmo – e
muito - orar e fazer todos os salamaleques possíveis pelo Brasil, mas para que
realmente o país se cure de todo o mal que esse sobrenome, a família toda, nos
apresenta. Estamos nós de joelhos, esgarçados, pedindo, mas para que cesse esse
angustiante momento, todos os dias com ameaças à democracia e a tudo tão
duramente conquistado. Antes que não sobre país.
Não bastasse o ato de uma tal frente evangélica ter sido
mais uma vez realizado nas dependências do Congresso, não foi essa a primeira
onde a apagada criatura se ajoelhou convenientemente. Agora aparece assim: aqui
e ali, e sorrindo, e chorando. Entoou cânticos de aleluia e regozijo emitindo
palavras desconexas com a nomeação ao Supremo Tribunal Federal do terrivelmente
evangélico André Mendonça. Só assim. Quando não, vestida de Branca de Neve,
personagem singular cercada de anões. Ou ainda falando alguma sandice, que
traduz em libras, onde se justifica.
Bolsonaros pensam mesmo que o país é a cozinha ou sala ou
banheiro da casa deles? Assim parece, e acaba sendo, desde o primeiro dia da
eleição deste desgoverno que, com fé, terminará este ano, embora esteja sendo
desenhado no ar um maquiavélico plano de continuidade. Claro que não sou nem
besta de negar que estejamos todos sem leques de opções de voto – até agora só
o sim, ou o não. O país virou apenas uma divisão política incoerente, quando
mais precisa de união.
A sensação é a de que nós estamos fechados em um ambiente
com quatro paredes, e que estas paredes vêm se aproximando, comprimindo, cada
vez mais rápida e violentamente ao nosso redor como nos piores filmes de
terror. E não são alquimistas, mágicos nem malabaristas. É como se inimigos se
aproximassem, babando, apertando de todos os lados, libertados de algum canto:
racismo, homofobia, misoginia, violência e virulência, essa falsa religiosidade
cheia de dogmas preconceituosos e que nem representam os verdadeiros
evangélicos vêm se sucedendo, e em uma escala absurda.
O cerco se aperta. Digo mais: não só pela direita, também
pela esquerda sempre aferrada a visões passadas que não conseguem atualizar.
Tudo isso faz com que o que vem de cima, do teto, dos lados, e até os muitos
que vêm se arvorando vindo lááá de baixo se sintam livres para nos ameaçar,
alimentados por muitas forças estranhas.
Nesta sala em que estamos detidos, a tortura é ver o país
se desmilinguindo continuamente, praticamente em todas as frentes. Só atraso.
Onde há avanços? Nas principais áreas, aponte. Educação, só escândalos; Saúde,
o nosso SUS salvador respirando por aparelhos entre negacionistas e falta de
recursos; Economia? Tem ido aos supermercados, à feira, visto as ruas, o
desemprego, a paradeira? Como estão os salários, os juros, o oportunismo
empresarial? Infraestrutura? Pior é ter de aguentar que daí ainda saia
candidatura de ministro que inaugura obra que despenca poucos dias depois.
Estradas? Ferrovias? Hidrovias? Meio Ambiente: devastado pelas patas da boiada
humana descontrolada que passa, desmatando, matando, oprimindo e isolando
comunidades inteiras. Habitação? Veja o escandaloso luxo dos edifícios que
derrubam e expulsam bairros inteiros, a população de rua jogada nas esquinas.
Continuo? Pensa nos Direitos Humanos, na Previdência, nos Transportes. Na
diplomacia em um momento global tão delicado. O desmonte é completo.
E ele ri e fala em armar mais e mais, esse ser que não sabe
o que é amor, não é possível que saiba.
Mas voltando à dantesca cena dos joelhos dobrados de
Michelle em pleno Congresso Nacional, pensem se acaso seria possível a
realização de um atozinho sequer, poderia ser de mera homenagem, à campeã
Escola de Samba Grande Rio que este ano levou o orixá Exu, o que abre os
caminhos, à avenida. Seria até engraçado e bom para dar um banho de descarrego
por lá, mas já imaginaram o barulho?
Achei um detalhe bom em outro significado de ficar de
joelhos, e quem sabe a esposa do homem não teve, como se diz, a “visão”:
“farejar o toque de retirada”.
Aleluia!
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
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