Sábado, 18 de junho de 2022 - 09h33
Chico Buarque propõe um samba no meio disso tudo que nos
atordoa pesadamente dia após dia. Poético, mas também cansado, com cara de quem
quer mesmo só olhar de longe como é que vai acabar a temporada desse vagabundo
seriado nacional de horror, com capítulos sem fim.
Entendo bem. O que a gente, que já viveu, guerreou, se
trumbicou, alertou, pode propor à essa altura? Atordoada, esgotada, senti que
precisava parar pelos menos uns dias, ficar distante ao máximo, mas como não dá
para sair do planeta, o mais recomendável já que a turbulência não é apenas
local, fui até ali, ao Rio de Janeiro, onde deu para chegar juntando os
trocados.
Ver o mar, ao menos. Depois de mais uma década, conferir se
ele ainda estava lá. E ele estava tão revolto como estes nossos dias, a ponto
de impedir até aquele rápido banho de descarrego. O Rio também estava frio, de
usar casaco, e chuvoso. Nas ruas, nas esquinas, a presença ostensiva de carros
de polícia e seus homens carrancudos armados e paramentados de negro contrasta
duramente com as belezas naturais e relembra aqueles anos duros, quando o que
mudava eram os seus uniformes, então verde oliva. Já que os crimes, as balas
achadas e perdidas, a violência, tudo persiste, os vi ali parados apenas como
adornos deselegantes de uma cidade que atrai turistas de todo o mundo em busca
de achar suas maravilhas, mas até elas estão meio desbotadas. E tudo muito
caro.
Mas que foi bom, foi. Respirar outro ar, andar para lá e
para cá numa viagem que acabou sendo muito afetiva – fui feita lá, foi legal
comemorar ali mais um aniversário, conhecer o Museu do Amanhã, ir ao Pão de
Açúcar, pegar o bondinho todo modernizado. Na última vez, criança ainda, lembro
daquele antigo, pequeno, barulhento, desengonçado, balouçante, hoje aposentado.
Também estive na Academia Brasileira de Letras, na posse do amigo José Paulo
Cavalcanti Filho, vendo tudo aquilo, aqueles autores, aquele mundo clássico que
todo escritor sonha um dia alcançar.
Vi e andei de ônibus – gente, todos literalmente caindo aos
pedaços! O metrô, tudo bem, diferente total de São Paulo, estações esculpidas
em rochas.
Percebi o quanto é fundamental se curar do que a gente
tanto espera de outro alguém. Melhor seguir. Retornar, o jeito, encarar. Tudo.
E cá estamos nós.
O planeta perplexo com o desaparecimento do indigenista e
do jornalista, assassinados, atingidos ainda pelas odiosas falas do presidente
para o qual já esgotamos adjetivos. Se preparar aos tensos dias que antecederão
as eleições de outubro. Saber do bodejos dessas pragas aos milhares que se
intitulam como influencers e que têm feito mais mal do que bem aos que os
conhecem sabe-se lá por quais feitos em seus círculos.
Pelo menos poder assistir ao colorido arco-íris que se
forma antecedendo a Parada LGBTQIA+, de todos de uma comunidade que com alegria
e alarido vai às ruas demonstrar liberdade e resistência, mesmo diante de
tantas ameaças.
Que tal um samba, Chico? ...Puxar um samba, que tal? Para
espantar o tempo feio. Para remediar o estrago. Que tal um trago? Um desafogo,
um devaneio ...
Pois bem. De tudo, entender que é preciso mesmo continuar
sonhando, fazendo sambas e planos, pensando adiante. Aliás, onde se compra
passagem para ser feliz total, sair batucando – nem que seja por minutos -
igual aquele brasileiro que foi dar uma voltinha no espaço? Porque a tal
Ratanabá, essa cidade inventada para mais mentiras dessa gente ruim, é ouro
puro, sim. De tolos.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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