Sábado, 9 de julho de 2022 - 08h58
Duas cidades, São Paulo e Rio de Janeiro, vêm sendo escarafunchadas
esses dias e ao fim e ao cabo sempre aparece aquela eterna luta entre a elite,
sua miséria e glamour, e a realidade, sua miséria e glamour, surpreendentemente
lados iguais de situações tão distintas
Com tantas coisas acontecendo, capazes de transtornar
nossas vidas muito e ainda mais nos próximos anos, acreditem, a polêmica da vez
na semana foi o texto, diríamos bem equivocado, mas bastante pessoal, do artigo
de Washington Olivetto publicado em O Globo, e a gigantesca repercussão do
ótimo podcast “A Mulher da Casa Abandonada”, de Chico Felitti, para a Folha de
S. Paulo.
No artigo “O Rio de Janeiro continua lindo”, como quem não
quisesse nada, Olivetto descreve a tour de seu filho Theo, que acabou de entrar
para uma faculdade, claro que lá fora, e que quis comemorar com mais quatro
amigos, estrangeiros, só um também brasileiro, no Rio de Janeiro. O
publicitário conta que tentou desfazer nos garotos, com a agenda que criou, a
“péssima imagem que o Brasil vem construindo no exterior há vários anos”.
Mal sabia ele que o texto provocou o total contrário por
aqui, inclusive prejudicando a sua própria imagem, a de pai, a de brasileiro,
que inclusive já há alguns anos vive bem longe daqui, em Londres, e até a de
escritor e publicitário premiado. No texto cheio de deslizes, como a citada
babá que virou “parte da família”, mas sem ganhar exatamente o sobrenome famoso
ou as coisas de que cuida na ausência do patrão internacional, ele discorre
sobre passeios, as encomendas caras e certamente deliciosas que fez para os
meninos, e ainda as idas a restaurantes com muitos $$$$$ e seus chefs
maravilhosos.
Lendo o texto, admito que não pude deixar de comparar com a
minha recente viagem de alguns poucos dias ao Rio de Janeiro, da qual
recordarei ainda durante muitos meses pagando as prestações e cartão de
crédito, e além dos bons momentos. Tudo bem, que adoro o Rio. Mas me diverti
pensando, lembrando bem de que eu e meu irmão passamos na frente dos restaurantes
citados, sei onde ficam, mas nós estávamos sempre a caminho de algum $$, no
máximo. Assim como os turistas de Olivetto, também fomos ao Museu do Amanhã –
idosos lá não pagam! – e na volta, de BRT, paramos na Cinelândia onde havia um
enorme protesto estudantil – estão querendo cortar verbas da Universidade
Federal. Também fomos ao Pão de Açúcar – lá idoso paga meia e no cartão deu
para dividir o preço dos ingressos.
Fomos à praia tomar chuva e vento, que os dias que
estivemos lá a temperatura estava tenebrosa, proibindo até aquele banho de mar
de descarrego.
Lendo o texto tive dúvidas e fiquei pensando como todos se
locomoveram, seguros. Um motorista? Também tivemos o nosso, os ônibus do Rio
estão caindo aos pedaços e o motorista, cara de poucos amigos até para dar
informação, também é cobrador, com uma caixinha horrorosa e suja ao seu lado
direito, de onde cobra e pega troco. Shows não fomos, vocês bem sabem: os
ingressos estão na hora da morte. Mas Olivetto e os meninos devem mesmo ter
sido convidados vip pelo Caetano Veloso.
No texto, o sonho acaba, com John Lennon citado e tudo. E
todos voltam para a “vida real”, Londres! A última pérola foi a citação do
filho que teria dito que aqueles dias haviam sido sua “pós-graduação de vida”.
Enquanto isso, na minha São Paulo, suja e malcuidada, a da
Cracolândia móvel que aterroriza o Centro, dos roubos e sequestros em cada
esquina, do barulho ensurdecedor, ficamos sabendo de excursões ao bairro
“chique” de Higienópolis, onde fica a casa abandonada do podcast estrondoso. O
que as pessoas querem? Ver se se surge na janela a mulher estranha com pomada
branca na cara, ali escondida há 20 anos depois de fugir dos Estados Unidos
para não cair – lá, porque aqui é difícil alguém rico ser condenado – nas mãos
da Justiça e onde escravizava e torturava a sua empregada doméstica. Querem ver
a casa destruída onde ela, Margarida, seu nome, mora, em terreno muito, mas
muito mesmo, valioso, dizem até que jogando excrementos nas paredes dos muros
dos prédios vizinhos, entre outras esquisitices. Ninguém sabe exatamente se a
mulher continua perambulando ali na casa abandonada e suja, pode ser que tenha
saído – ela tem irmãs, e parte a receber do fabuloso inventário, que agora a
imprensa revela inclusive mostrando fotos internas da casa, parte do processo
que se alonga.
Diante da mansão fazem fotos, gravam vídeos, até
caça-fantasmas apareceram ali, além de, claro, a turma da Luisa Mell que
resgatou, pulando o muro, os enormes dois cachorros da casa. O assunto é
notícia todos os santos dias, como se fosse essa a única casa abandonada dessa
cidade, e fosse essa a única mulher a ter uma história tão terrível nessa
cidade cheia de crueldades em cada esquina, em cada andar de apartamentos e
condomínios.
Ainda não soube disso por aqui, mas desse jeito, com esse
sucesso, não vai demorar para São Paulo copiar o Rio de Janeiro, e aparecerem
agências de turismo fazendo tours para que as pessoas, dentro de jeeps mais
parecidos a aqueles de safaris na África, até meio gradeados, e que vi muitos a
caminho de seus destinos na orla da praia, cheios de gente indo visitar alguma
das centenas de favelas que crescem mais e mais na Capital. Ou, quem sabe, que
tal?, uma ida às Cracolândias, visita aos buracos de rua, conhecer como vivem
os milhares jogados cobertos como sacos de lixo, dentro de caixas de papelão ou
barracas improvisadas. Boiando em enchentes. Com fome. Catando lixo para comer.
A imagem do país no exterior tão cedo não vai mesmo
melhorar. Mas, olha! Uma ideia de passeio para o Olivetto na próxima estada do
filho e dos amigos no Brasil. Isso sim, acredito, seria uma excelente
“pós-graduação na vida”.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
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Com tantos sustos como os que todos estamos passando nesse fim de ano até o próprio Espírito de Natal, creio, chamou as renas pelo aplicativo e está
Cérebro. Duvidando até da sombra.
Em quem acreditar, sem duvidar? De um lado, estamos como ilhas cercadas de golpes por todos os lados. De outro, aí já bem esquisito, os cabeças-dura
Não chama a polícia. Ela pode apavorar, te matar, te ferir. Não sei se é um surto, se são ordens ou desordens, mas estes últimos dias fizeram lembra
Stress, o já aportuguesado estresse. Até a palavra parece um elástico que vai, estica e volta, uma agonia que, pelo que se vê, atinge meio mundo e n