Sábado, 16 de julho de 2022 - 09h32
Quando
a esmola é demais, o santo desconfia. Nós, também. Os pobres, mais ainda. Se
liga, que nem é esmola, ninguém é santo, e o dinheiro que está entrando e
vertendo nesse jogo enganador, populista, sórdido, é seu, meu, nosso. Estão
batendo nossa carteira na cara dura, buscando votos, roubar a eleição, deixando
o país ainda mais na tanga do que já está.
Somos nós que abastecemos esse cofre cada vez mais
arrombado esta semana e que já vinha sendo dinamitado sem dó. Se as notas, tal
qual os bancos fazem para proteger os caixas eletrônicos de assaltos, fossem
manchadas de tinta rosa, aí que a gente ia ver o que é pink money, e não seria
a criativa economia LGBTQIA+. Mostraria a devassa do verdadeiro cangaço
reinante na política, escangalhando nossa economia, ao qual sucessivamente
estamos sendo submetidos, A PEC Kamikaze foi só mais um passo na direção do
abismo, e de muitos outros que nos derrubam ao despenhadeiro.
Quase cinco bilhões de reais já tinham sido
destinados aos partidos políticos – essa miríade de letrinhas sem ideais que se
confundem e se fundem – para essas próximas sofridas eleições deste ano. No
Congresso Nacional, nessa que é uma das piores legislaturas de que se tem
notícia nas ultimas décadas, pelo menos as que vivi, e olha que já vi coisa bem
ruim, falar em situação e oposição parece até piada. De lá só chega alguma
péssima notícia, manipulação, retrocesso em questões sociais, corte de verbas
para áreas essenciais, reuniões clandestinas, orçamento secreto com
distribuição de emendas, sabe-se lá de quê, para onde vão, e mesmo se chegam a
algum lugar. E por qual preço, qual apoio, qual fala mais reacionária que
outra; qual explicação mais esdrúxula para isso tudo passar, lindo, liso,
votação após votação. Com números chocantes.
Falam em ajudar os pobres, os mais vulneráveis,
inventam um tal estado de emergência, estupram a Constituição, e são todos
filmados fazendo isso. Não disfarçam nem ao datar o que fazem em ano eleitoral
– auxílios, sem cálculos reais, e com data precisa de vencimento, fim desse ano
mesmo, dirigidos em busca de votos de quem, por graça e alguma sorte, em filas
na chuva e no sol, chegar a receber a tal esmola, ops, apoio, cala boca, fumaça
nos olhos, decantada, especialmente por esses que nos delegam que os próximos
meses até outubro serão tenebrosos, violentos, e que até lá vão inventar de um
tudo para melar qualquer decisão, entre as muitas que estarão em jogo.
Não vai funcionar, porque as pessoas não são
bestas. Sabem que falta tudo, comida na mesa de milhões de brasileiros,
remédios básicos, cuidados mínimos com o que é nosso em todos os terrenos,
todos os campos. A inflação corroendo qualquer mínimo esforço por melhoria de
vida, juros destrutivos, ricos ficando cada vez mais ricos e fanfarrões,
enquanto ouvimos as mesmas cantilenas. Pior, agora também já são ouvidos berros
horrorizados. De quem precisa, de quem dá e de quem tira.
Assistimos – e inacreditavelmente, ainda impassivos
– ao desmonte geral do pouco que conseguíamos construir nos poucos anos vividos
de democracia capenga depois da ditadura militar que nos enlutou por mais de
duas décadas, e que de novo tentam fazer ressurgir das cinzas em focos que não
conseguimos extinguir, que se esconderam em baixo de peles de cordeiro. Até
porque nosso extintor não funcionou nem para promover um mínimo de educação
política, formação de novos quadros. Olhe bem: na geral são aqueles mesmos, de
sempre, no comando, e do que se costuma chamar situação e oposição; os outros
aparecem apenas como fantoches, sobrenomes de continuidade, ou nomes aos quais
se adaptaram como pastor tal, cabo xis, coroné não sei quem – que nos lembram a
miúda política eleitoral geral, o Pedro do Açougue, o Claudinho da Geladeira, o
Manoel do Posto. Em sua maioria, ainda, homens, com poucas mulheres, muitas apenas
a reboque.
As costas largas da pandemia já se mostram pequenas
para arcar com todo o peso que aproveitadores desse momento desgraça nela
descarregam, até como se realmente estivessem preocupados com isso, com as
ondas que continuam crescentes, mortais. Mas não conseguem nem conter nem
explicar a loucura instalada, agora ainda com tremenda violência política e com
ideias delirantes brotando da cabeça inclusive de militares assanhados e
doidinhos para fazer que sejam sacadas as armas que espalharam.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de
comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom
para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na
Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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