Sábado, 7 de janeiro de 2023 - 10h14
Uma mulher incomoda muita gente. Muitas,
incomodarão muito mais. Impressionante como vem sendo grosseira e até às vezes
muito boba a razão e forma dos ataques, comentários e críticas feitas à Janja
logo nesses primeiros dias de governo Lula. Só isso já deixa bem claro o quanto
nós mulheres estamos ainda distantes de nossa participação ativa ser avaliada
normalmente, sem paixões, sem ciúmes, sem clima de fofoquinha de salões de
beleza. Que, inclusive, todas sejamos respeitadas por outras todas – somos a
maioria desta nação.
Momento político tenso. Novas perspectivas. Posse de um
líder político e de um partido que renasce para um terceiro mandato anos
depois, após período de prisão e baixa total. Consegue reunir uma admirável
frente mais ampla de apoio, vencendo uma tumultuada eleição, ameaças de crises
e golpes. Forma uma equipe de ministros que pela primeira vez reúne um número
recorde – embora ainda minoritário - de mulheres. Ele próprio surge
rejuvenescido, e a grande novidade é a companhia de sua nova, mais jovem e
bastante ativa esposa, Janja, Rosângela Lula da Silva, 56 anos, socióloga,
ativista. E feminista, que bom!
Uma posse histórica, com imagens importantes e simbólicas.
E o que ainda nós ouvimos de ecos? O bafafá ao redor da roupa que Janja usou,
pela primeira vez ao contrário de um vestido, um elaborado conjunto com
pantalonas, com detalhes em bordados manuais e tingimentos naturais, roupa
sobre a qual já ouvi de um tudo. Para que entendam do que estou falando, também
até vou dar minha “opinião”, que a gente repara mesmo em tudo, mas não é esse o
problema: adorei o rabinho do paletó, adoro rabinhos; detestei o bege, porque
detesto bege. Pronto? Ah, Teve Lu Alckmin também, outra criticada, mas que
vergava um elegante e mais do que clássico vestido branco, midi, pouco abaixo
dos joelhos. Chega? Vamos amadurecer?
O que quero dizer é que qualquer coisa que falassem ou
vestissem, especialmente a Janja, seria criticada. Qualquer movimento seu passa
a ser alvo, e já de forma desmedida, alimentado pela imprensa, inclusive.
Porque ela já deixou claro que vai, sim, ter voz, governar ao lado do marido,
ter papel de destaque, opinião, e, embora, claro, já maravilhada pelo poder
imediato tenha falado bobagens, citado a Evita, essas coisas, não ficará em
segundo plano, invisível. Foi quem organizou a posse, que teve até a cadela
Resistência, ao lado de representações de toda a sociedade, pobres, mulheres,
negros e negras, crianças, deficientes, índios, lgbtqia+, todos participando da
colocação da faixa presidencial (depois que o fujão foi pra Disney) e subida da
rampa. Os ataques foram severos, e a vida de todos esses representantes foi
escarafunchada pela direita raivosa que ainda não admitiu a sua derrota. E mais
outros, gente rabugenta, até mulheres que não conseguem ver ninguém se dar bem.
Admitam que foi uma sacada de gênia, e a imagem rendeu capas de jornais do
mundo inteiro.
Ela, Janja, desde que apareceu ao lado de Lula, mostrou de
forma evidente sua personalidade forte e que não é igual à nenhuma de algumas
das primeiras-damas recentes que conhecemos, em geral relegadas, ou como
invisíveis, ou como recatadas e do lar, ou submissas religiosas que só
apareciam em péssimas situações pontuais. No pós-ditadura, apenas Ruth Cardoso,
intelectual brilhante, esposa de Fernando Henrique Cardoso, se destacou nesse
posto. Mas era, digamos, discreta, como essa sociedade absurdamente machista
ainda acha que todas as mulheres devem ser. Acabou, minha gente. Acordem.
Se tudo isso vai dar problema será outro ponto, e aposto
que sim, já que visivelmente Janja conseguiu em pouco tempo reunir desafetos,
inclusive no próprio grupo político. Aguardemos os próximos capítulos.
Neste Brasil absolutamente confuso, dividido, desorientado
e desordenado que emergiu dos últimos anos levaremos ainda muito tempo para
sanar o que vem saindo desse criadouro maluco. Qualquer assunto hoje racha,
divide, polemiza, vira tititi no qual se perdem dias em discussões nas redes
sociais e grupos de amigos. Vide o espaço ganho pela chefe do cerimonial que
organizava com rigor e elegância o desenrolar da posse, e o seu vestido de
bolinhas. O vestido de bolinhas é que foi o destaque; não o seu trabalho.
Temos muito o que fazer e nós, mulheres, temos um papel
fundamental nessas mudanças. Todos vão ouvir muito falar de nós, mulheres, de
nós todas, e das ministras e das providências que precisarão urgentemente ser
tomadas para acabar com os graves problemas nacionais e que nos afetam
diretamente. Vamos ter de lutar por leis, pela igualdade, pelo fim da violência
e feminicídios, por condições de saúde, educação, saneamento, habitação, meio
ambiente, pelo respeito às novas formações familiares, e a nós mesmas.
Estejamos com cocar, minissaias, chinelos ou salto alto,
por favor, vamos falar sério, enfrentar juntas, porque haverá sempre muita
reação, assim como houve quando nos Anos 70 começamos a nos mobilizar nessa
luta, e parece ainda hoje que estamos no começo, mais de meio século depois.
Sei bem o que é isso.
Respeitem as minas!
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
feminista, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para
mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na
Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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