Sábado, 5 de fevereiro de 2022 - 08h47
Se você é Gente, e sei que deve ser, quero crer que tem sentimentos,
deve estar tão aterrorizado e chateado quanto eu ao sentir no que o país está
se transformando, além de também saber intuir o tempo gigantesco que levaremos
para recuperar um mínimo de dignidade e cordialidade das quais nos
orgulhávamos. Assistimos, perplexos, selvagerias e crueldades bem registradas,
inclusive, em detalhes.
Dia após dia, mais uma e mais outra e saberemos de muitas
histórias escabrosas às vezes em um dia só, algumas que podem estar até nos
atingindo diretamente. É como se esses fatos - acrescidos de tudo quanto é tipo
de violência, golpes, somadas a decisões fortuitas e equivocadas dos
governantes - rondasse sempre o nosso quintal. Diariamente. Não há sistema de
alarmes, conhecimento, muito menos armamentos, que possam evitar tanta maldade.
Não bastasse as conhecidas, elas se ampliam, mais maldades são inventadas,
urdidas, executadas. Muitas impunes.
Para ser vítima basta estar vivo. Não há defesa nem quando
se está dentro de casa. Não há defesa nem mesmo para as crianças e para os
inocentes de tudo, e que nem estavam onde não deveriam, ou se arriscando, se
expondo a mais. Não há defesa.
Não há defesa nem para nossos animais de estimação, e o
caso da cadela Pandora e outros tantos comprova isso. Aliás, não há defesa nem
para quem oficialmente cuida de nossa defesa, policiais, também eles enganados,
feridos ou mortos a caminho do trabalho ou de suas casas, ou quando encaram
algum bico para sobreviver.
O caso do congolês Moïse Mugenyl foi recentemente apenas um
desses marcos. É como se o sangue dele tivesse espirrado em cada um de nós e em
nossa bandeira, que alguns ainda insistem com o refrãozinho besta “que jamais
será vermelha”, sem saber nem do é que estão bodejando, como diria meu pai,
vivo estivesse, ao ver as atrocidades. Moïse foi morto a pauladas, amarrado,
arrastado, e ainda, se tudo isso já não fosse terrível, alguns órgãos retirados
sem autorização daquela mãe que vemos, aterrorizada, sim, ainda ameaçada ao
lutar por Justiça; covarde, nunca. Fugiu do horror de seu país, viu o filho ser
morto na tal pátria gentil.
No Espírito Santo, um casal namorava – seria uma despedida
porque um deles sairia alguns anos para estudar fora dessa tal pátria - quando
foram atacados a golpes de faca. O garoto, todo cortado, teve pedaços de seu
intestino jogado na areia. A nós basta torcer para que o socorro tenha chegado
a tempo; ambos ainda estão no hospital.
Assim, se soube também que não tem mais um Estado campeão
de violência, horror, violação dos direitos básicos. Aqui e ali, o Rio de
Janeiro, onde Moïse foi morto, onde balas perdidas atravessam crianças e
grávidas e velhos e todos - como uma mãe que errou um caminho e viu seu filho
ser morto por uma bala na cabeça disparada do escuro - ganhava a taça.
Agora o Espírito Santo está em severa concorrência pelo
posto, muito disputado infelizmente também aqui, por São Paulo, com outros
Estados correndo atrás como os cavalinhos do Fantástico. Melhor, como
pistoleiros de bangue bangue, celerados, ladrões e golpistas, sequestradores,
milicianos, traficantes, racistas, xenófobos, homofóbicos, incivilizados sem
lei.
E da lei, lá no Espírito Santo, o que se pode esperar de um
local onde uma fotógrafa é presa, algemada pelos pés, apenas porque exercia sua
liberdade em um topless numa praia afastada? Pois aconteceu com Beatriz Coelho,
que deve ter sido “denunciada” por algum desses fascistas e nazistas
escancarados e sórdidos que tem saído dos esgotos, especialmente lá no Rio
Grande do Sul, aterrorizando por onde podem, ao vivo, pela internet, em
gangues. Beatriz, por outro lado, também pode ter sido vítima de outro horror,
o religioso, de pessoas que se dizem beatas ou beatos de alguma religião que religião,
ah, isso não é.
Enquanto tudo isso ocorre, jornais noticiam sim, mas agora
pegaram mania de tudo ter percentual, números sem vida para tratarem de casos
que afetam vidas. Também um dia após o outro ouvimos em percentuais os horrores
que assistimos em vídeos coloridos registrados em algum canto, às vezes
descobertos nos telefones até dos próprios monstros, que um dia, se Justiça
houver, e como filha de Xangô posso preconizar, pagarão muito caro pelo todo
mal que fazem, seja como for, e se não for na lei dos homens, será na da
energia Suprema que tudo alcança.
Repito: se você é Gente, sabe muito bem do que estou
falando. Temos mesmo de andar com fé, muita fé. E nunca parar de nos indignar.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. Nas livrarias e online, pela
Editora e pela Amazon.
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