Sábado, 31 de agosto de 2024 - 08h02
Não é mais nem xodó, que é mais namorinho,
próximo, amorzinho, relação, que já deu letra de música, e poderia ser
considerado pedir muito. Dengo, não; é livre. É só fazer um gesto e quem recebe
fica bem contente, o mundo melhor, mais pacífico. Podia até ser esse um recado
para a primavera que se aproxima. Mais dengo, por favor. E mais de um minuto de
atenção.
Ficar esperando xodó cansa. Dengo também, mas é muito mais
fácil apelar publicamente por um. No sentido de carinho, manha, atenção,
delicadeza. Produtos absolutamente em falta na prateleira dos relacionamentos
humanos. Ninguém parece ouvir mais ninguém com atenção. Ou, na verdade, escuta
o que quer, e só a parte que for favorável. Sempre só parecem prontos a reagir
ou discordar, ou ainda mudar de assunto, de cobra para lagarto, criando
polêmicas como as que temos visto por metro. Outro dia li um comentário que me
fez rir, e também refletir sobre isso, de uma jornalista que afirmava que agora
só se consegue falar e ser ouvido na terapia, pagando.
A instantaneidade das redes sociais tem claramente um papel
importante nesse comportamento que tenho visto ser apontado por diversas
pessoas, que vêm clamando por, digamos, um minuto de atenção. De consideração
pela sua fala, pelo o que quer dizer. Simples assim. E a falta disso está
levando cada dia mais à individualidade, o famoso melhor ficar quieto, para não
arrumar confusão. Levando ao medo, à não participação, a uma neutralidade
perigosa. Isso não é bom, não será positivo.
Ao mesmo tempo, fala-se em democracia e liberdade de
expressão e pensamento como se fosse feijão com arroz, mas só no momento que
convém e como cansaremos de ver mais uma vez na campanha eleitoral, quando os
caras (e as caras) as defendem para mentir, desinformar, retroceder; e apelam
porque querem continuar nessa toada, cada dia mais presente e perigosa. Não
podemos subestimar esse problema nas relações interpessoais, senão viveremos o
inferno da solidão e do silêncio. Da apatia.
Claro, não dá para amarrar ninguém numa cadeira esperando
assim ser ouvido. Nem ficar reclamando toda hora que não foi compreendido
corretamente nos segundos que falou e obteve em seguida alguma palavra ou, às
vezes, apenas um grunhido. Quando falo em dengo, falo em um mínimo de consideração,
a famosa empatia, palavra lembrada, mas muito pouco exercida. Não é querer ou
precisar escutar problemas, não é isso, mas escutar, conversas do cotidiano. Um
bom começo.
Não precisa ir muito longe. Quase todos têm, creio, ao
menos um grupo de conversas no WhatsApp (sorte de quem consegue fugir disso,
mas é difícil). Seja de trabalho. Afinidades. Velhos amigos. Ou de família,
onde percebo que grande parte dos conflitos acontece, e esse não tenho até
porque sou só eu e meu irmão. Interesses. Repara como uma “fala”, por escrito
também, ou nos chatos áudios; o outro não escuta ou aparece só para mostrar
birra. Nem percebem que muitos dos outros participantes não estão por ali já há
algum tempo, e é só procurar saber, muitos estão vivendo situações onde antes
de mais nada precisam de solidariedade, uma gota de carinho, um dengo, que
perguntem se está bem.
Tenho sabido de muita gente doente ou cuidando de alguém.
Eu mesma nos últimos dez dias estou bem jururu com um resfriado forte que me
tirou energia, força vital, e talvez até por isso tenha pensado no quanto ao
menos um dengo sempre é bom. Cura.
Depois podemos falar sobre tudo isso, olho nos olhos e, se
der, por mais de um minuto.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em
São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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