Sábado, 3 de fevereiro de 2024 - 08h05
Todos somos olhos, todos somos repórteres? É
perceptível a guinada que vem ocorrendo especialmente nos noticiários de tevê
que observam, dão espaço e fazem render a ânsia que agora as pessoas têm de se
mostrar, participar, dar pitacos.
Antes, no tempo do onça, para se comunicar com algum
veículo de imprensa era preciso mandar uma carta para a Seção do Leitor, ou
mesmo tentar ir à redação fazer seus apelos pessoalmente. Tempos bem idos lá
longe porque hoje as redações estão como se hermeticamente fechadas, quando
antes eram mais vivas, acessíveis. Até contato telefônico por números fixos
basicamente impraticável. Com o advento do e-mail ficou mais simples um pouco.
Mas principalmente na tevê, novas mudanças: primeiro disponibilizaram um número
de WhatsApp, e agora pelo menos a Globo inovou: o telespectador é encorajado a
acionar um QR Code, fazer um cadastro e voilà. Pode mandar mensagens, vídeos,
fotos e etceteras dos fatos que acompanhou ou quer denunciar. As pessoas comuns
estão na tevê, via câmeras de celular, e por mais simples que sejam aparecem de
seus cantos, casas e barracos mostrando a realidade que vivenciam.
Assistimos assim, literalmente, a vida ao vivo. Assaltos,
sequestros, cenas de violência filmadas de janelas. O desespero das falhas no
transporte público e a falta de apoio, tudo registrado, e negando no ar, na
hora, as tais providências alardeadas pelas autoridades. Os carros boiando em
enchentes e o momento até da queda de aeronaves. Milhares de Grandes Olhos
vigiando tudo, além das câmeras das ruas e das casas. Fico imaginando como é
feita – e se é feita, dada a rapidez da informação, a checagem de milhares de
mensagens que devem chegar diariamente.
Tenho refletido muito sobre a imprensa, como jornalista há
mais de 45 anos e vinda de uma escola, o extinto Jornal da Tarde, que prezava
acima de tudo os fatos ocorridos na cidade, São Paulo no caso, e a busca de uma
visão sempre mais humana em bons textos e imagens. Assim, consigo ver muitos
aspectos positivos nessas mudanças, e reparado como vem sendo grande também a
busca por levar ao ar muito mais prestação de serviços – agendas de lazer,
explicação de preços e fatos políticos, sociais e econômicos de forma mais
simplificada – além do registro das condições e realidade (repara: há
repórteres que parecem estar se especializando nisso, pé na lama, só não sei se
de bom grado ou se sempre obrigados por chefias).
Em artigo anterior, Influenciadores e Influenciados, foquei
no absurdo aumento de todos os tipos de influencers, e acabou surgindo uma
discussão sobre se seria isso jornalismo. Um debate. Insisto que não.
Jornalismo é coisa séria, requer regras e ética, técnicas, experiência, embora
pareça que andam esquecendo de ensinar muito disso nas poucas universidades que
ainda restam. Mas não posso deixar de notar que, por outro lado, cada vez mais
os “influencers” têm criado notícias e estas invadem os portais e jornais. Sem
compromisso, têm cara de pau que jornalistas não têm para fazer coisas e muitas
vezes formular perguntas, e que nem poderiam, até por muitas beirarem
insanidade, desrespeito ou alguma curiosidade exótica. Os influenciadores,
produtores de conteúdo como se denominam, têm. E conseguem respostas que acabam
virando notícias reconhecidas. Confidências sexuais, fofocas, desavenças, os
tais flagras que chegam até a ser engraçados porque muitas vezes quase
teatrais, armados, ensaiados, pensados.
A imprensa séria, oficial, no geral, está em crise, e
buscando de todas as formas sobreviver e se reinventar, mas seu campo é limitado.
Seus espaços, os profissionais limitados, o papel, e até o lugar onde
habitualmente é vendida, as bancas, virando verdadeiras lojas de badulaques e
onde agora ocupam cantinhos. Apostam tudo nas edições digitais, assinaturas,
ofertas. Na tevê, agora, também em simpatia, proximidade e descontração.
Para completar, ultimamente têm precisado esconder sua cara
de tacho depois que as intensas coberturas cheias de certeza de anos a fio
estão sendo arruinadas. A Lava Jato, o juiz justiceiro, os acordos de
leniência, as delações premiadas, as prisões, as gravações, muito do que se
noticiou – tudo indo por água abaixo. E ainda precisando duelar diariamente com
as fake news cada vez mais perigosas, mesmo que tolas, e que se espalham mais
do que qualquer notícia séria. Pior, com gente achando graça.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em
São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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