Sábado, 12 de outubro de 2024 - 08h05
Vamos falar um pouco mais sério: tudo virou
brincadeira? Tenho percebido uma tendência à uma quase infantilização de temas
importantes, debates, ações. Como se para fugir de responsabilidade, solução ou
participação, seja melhor achincalhar bobamente na vida e em redes sociais com
tiradas sem noção.
Um TikTok gigantesco parece ser o mais novo sonho de
consumo, até de quem não conhece a rede das dancinhas, e porque envolve o
público de todas as idades. Mas aproveitando os festejos às crianças, dia, mês,
aproveito para dar uma beliscada, recordando que elas ainda podem brincar. Nós,
não, e há muitos levando a vida assim, na flauta.
Um exemplo: a abstenção pavorosa nas eleições, a falta de
comprometimento diante das urnas, a brincadeira de achar que um fanfarrão
poderia governar uma das maiores cidades do mundo. Andei perguntando por aí –
não qual foi o voto, que essa é informação absolutamente individual e secreta.
Mas perguntando como foi, se foi, se pegou fila, essas coisas. Foi assim que
fiquei chocada ao encontrar mais quem simplesmente não foi votar. Abstenção
como forma de protesto, o que seria razoável? Não. Ouvi: “preguiça”, “fiquei
dormindo”, “que coisa chata”, “era longe o local” (mas nunca pensou em mudar),
“tinha de subir o morro”, “fiquei esperando minha mãe e ela só chegou à noite”.
Ouvi isso junto de gargalhadas, inclusive tirando uma até dos resultados. Esses
são os cidadãos que estamos criando. Nada importa. Seja o que Deus quiser.
E o pior é que todas essas respostas vieram com um “tudo
bem” e pessoas que nem estão aí para qualquer justificativa, inclusive oficial.
Como se fosse nada. Também, uma multa de pouco mais de 3 reais não parece
assustar muito, e ninguém pensa que um dia pode precisar daquele canhotinho, de
estar em dia. O futuro está lá longe, assim como para as crianças.
Não sou a favor de que a eleição seja obrigatória, mas o é.
Esse é o jogo. Óbvio: não estou falando de quem já é isento, ou para quem não é
obrigatório, entre 16 e 18 anos, ou a partir dos 70, embora tenha visto muitas
pessoas quase se arrastando para ir às urnas, ou ainda sobre quem estava
viajando. Uso o exemplo eleições por ser o mais fresco, recente. Mas isso tem
se repetido em muitos outros momentos.
Enquanto exaustivas análises essa semana ficaram nesta de
direita, centro, esquerda, quem apoiou quem, e se isso influenciou, minha
observação é sobre a falta de compromisso social, com a sociedade, os seres
cada dia mais alheios, e o que certamente explica muitos outros comportamentos,
inclusive a violência. O negacionismo geral. A boiada. O surgimento de tranqueiras.
Nada importa. Tudo vira folclore. Dá clique nas redes. É piada, ou engraçado.
Influenciadores de qualquer coisa, seguidos, numa distopia tipo “Ensaio sobre a
Cegueira”, filme de Fernando Meirelles, de 2008. E, em profusão, um assunto
enterra o outro continuamente.
Soltos assim esses comportamentos já mudam o rumo de nossas
histórias, de todos nós. Precisa lembrar que ser contra o sistema é outra
coisa, bem diferente, mais sólida. Estratégica e intencional. Com objetivo.
Não é brinquedo não. Ninguém vai querer brincar de
esconde-esconde depois, como tantos já tivemos que fazer durante anos
terríveis, para fugir do pega-pega da repressão.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em
São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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