Em 13 de dezembro de 1968, o marechal Costa e Silva, o segundo presidente da república depois do golpe militar de 1964, baixou o Ato Institucional nº 5, que formalizou a ditadura, dando-lhe instrumentos de poder absolutos. Oito meses depois, no dia 31 de agosto de 1969, o presidente já não pôde rubricar o AI-12, tão violento quanto o AI-5 – e seu complemento no trajeto para um período de violências.
Costa e Silva estava doente, vítima de uma trombose, que o levaria à morte. Se estivesse saudável, não aprovaria a iniciativa. Assinando o novo instrumento de força, os três ministros militares, que assumiram o governo como uma junta, impediram que o vice-presidente Pedro Aleixo substituísse o titular.
Ambos, o militar e o civil, foram eleitos por um colégio eleitoral reduzido, o Congresso Nacional. A ordem pública era regulada por uma constituição que o marechal Castello Branco, primeiro presidente militar, outorgara. O texto era autoritário, mas mantinha normas como a sucessão na chefia do poder executivo federal.
Assim como Castello escolhera para seu vice um político mineiro conservador,. José Maria Alkmin, Costa e Silva o repetira, convidando um dos mais respeitados políticos de Minas Gerais, o jurista Pedro Aleixo. Ele era também conservador, mas de posições liberais. Por isso, fora contrário ao AI-5, manifestando sua rejeição diretamente ao presidente. Com uma constituição forte, o regime podia dispensar um instrumento que, entre outras violências, suspendia o habeas corpus (criação jurídica brasileira) e as garantias dos magistrados e dos parlamentares.
Reunidos sigilosamente no Rio de Janeiro e exercendo intensa censura sobre os meios de comunicação, que impedia até o noticiário sobre a doença do presidente da república, os ministros do exército, da marinha e da aeronáutica mandaram buscar o vice em Brasília para lhe comunicar que seu mandato fora extinto (destino que teria o próprio mandato de Costa e Silva logo depois).
Este foi um dos momentos mais dramáticos da vida republicana brasileira. Pedro Aleixo foi convidado a seguir não para o Rio, mas para Belo Horizonte, onde teria apoio popular no segundo colégio eleitoral do país, tropa estadual e federal para utilizar e a constituição para ampará-lo. Poderia exigir que os chefes militares a cumprissem, mantendo a normalidade institucional do país, inclusive para a eventualidade de um retorno do presidente enfermo. Mas Pedro Aleixo se submeteu à ordem ilegítima dos militares e foi afastado do cargo.
Decisão semelhante esteve ao alcance de outro vice-presidente, sete anos antes. João Goulart poderia ter exigido o cumprimento integral da constituição em vigor, que o credenciava a substituir Jânio Quadros, que renunciara subitamente enquanto o vice viajava pela China, em missão que Jânio lhe dera, maquiavelicamente.
Jango teve o apoio do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, seu cunhado, do III Exército, o maior do país, comandado pelo general Machado Lopes, e de milhões de brasileiros que lhe deram mais votos do que o cabeça de chapa, o marechal Lott, derrotado por Jânio.
Poderia haver conflitos, mortes e até uma guerra civil? Poderia. Mas poderia também haver a repetição da batalha de Itararé, o mais famoso combate, que não chegou a acontecer.
Mesmo que a decisão de Goulart pelo respeito completo à constituição provocasse escaramuças, seria a oportunidade de testar a sempre anunciado respeito das forças armadas à sacralidade da constituição, que lhes cumpre defender. Como de outras vezes, essa diretriz foi substituída pela redução do poder de Jango através da emenda que instituiu o natimorto parlamentarismo.
Países mais adiantados do que o Brasil, como os Estados Unidos ou os europeus, colocados diante de desafios desse porte, decidiram enfrentá-los até suas últimas consequências para fortalecer o regime, as instituições e a sociedade. O Brasil sempre tem preferido recorrer ao “jeitinho”, uma perversão que ainda se permite o desplante de cultivar como coisa boa.
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