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Montezuma Cruz

CPI DA TERRA, 30 ANOS


Latifúndio cresce no País há 157 anos.  Desde d.Pedro II, terras devolutas originam conflitos. Incra recupera 14 milhões de hectares com títulos duvidosos.

MONTEZUMA CRUZ
montezuma@agenciaamazonia.com.br
BRASÍLIA — Enquanto durou a Comissão de Discriminação de Terras Devolutas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recuperou ao patrimônio público, no extinto Território Federal de Rondônia, cerca de 6 milhões de hectares (ha). Eram áreas distribuídas entre as glebas Calama, Garças e Corumbiara.
No cômputo geral, 14 milhões de ha de terras devolutas foram retomados das mãos de grandes grupos: 2 milhões de ha em Goiás e 6 milhões de ha no Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso e Maranhão, e os 6 milhões de ha em Rondônia, conforme levantamento feito à época pelo então diretor do Departamento de Projetos e Operações do Incra, Hélio Palma de Arruda. CPI DA TERRA, 30 ANOS - Gente de Opinião
A grilagem de terras levou um duro golpe no final da década de 70, no entanto, até hoje o Incra só conseguiu registrar 0,13% dos imóveis rurais. Isto é, dos 5,5 milhões de estabelecimentos, apenas 7.042 são reconhecidos. Criada em 1850 pelo imperador d.Pedro II, a Lei de Terras proibiu as doações adotadas pelos portugueses e vetou a aquisição de áreas devolutas de outra forma que não fosse a compra.
Em 2001, a Lei 10.267 tornou obrigatório o georreferenciamento (que aponta limites e localiza o imóvel com precisão quase perfeita) na zona rural. O proprietário de terras passou a medi-las, toda vez que a transferisse para outro, ou mesmo na divisão do patrimônio entre parentes. Dois decretos, em 2002 e 2005, aperfeiçoaram a lei.
Nem a moderna tecnologia pôs fim ao latifúndio. Passados 30 anos da CPI da Terra que melhor resultado obteve no País, dos 851 milhões de ha que formam o território nacional, cerca de 200 milhões (23,5%) estão sujeitos a ter os títulos contestados.
Prefeitura de Aripuanã ficava em Cuiabá
Quem procurasse a Prefeitura de Aripuanã, em 1977, não iria encontrá-la. A sede funcionava em Cuiabá, a 1.002 quilômetros de lá. Em Aripuanã só se chegava de avião, depois de três horas de vôo. Na época deputado estadual pelo MDB e hoje senador da República Valter Pereira (PMDB-MT) protestava: “Escondem-se os verdadeiros interesses que estão por trás desse grande leilão”.
Perplexos, os deputados oposicionistas não aceitavam que, estabelecido o chamado Pólo Juruena, em terras particulares, o governo federal investisse 37 milhões de cruzeiros em núcleos urbanos fora de sua área de abrangência. O governo de Mato Grosso entregava suas terras a particulares, desprezando o pólo.
Títulos duvidosos
Naquele ano, a prefeitura leiloaria para um grupo inferior a 50 pessoas uma porção correspondente a 75% do que recebera do Estado, em 1974: 130 mil ha. Mato Grosso. Até aquele ano, também, 25% da superfície do Território de Rondônia (243 mil Km2) estavam em detenções irregulares.
Com as terras em litígio judicial, o Incra entrou na inércia ao tentar execução a política fundiária. Somavam 15,5 milhões de ha as áreas carentes de discriminação. O Incra contestou a legitimidade dos títulos sobre terras de duvidosa origem dominial.
Assim agiu a Comissão de Discriminação de Terras contra a empresa Laminasa da Amazônia, a Agrinco Rio Candeias, transferida pelo Grupo Eberle, do Rio Grande do Sul, para o Grupo Desorce, e a Nova Joinville Ltda. A pretensão de 600 mil ha pela Agropecuária Guaporé S.A. (Gainsa) foi parar no Conselho de Segurança Nacional. Seus donos haviam ampliado exageradamente os títulos iniciais.
CPI DA TERRA, 30 ANOS - Gente de OpiniãoOuro seduz colonizadores
Autorizado pela Resolução nº 3 do Senado Federal, datada de 1973, o governador transferiu para a Companhia de Desenvolvimento de MT (Codemat) alienar a terceiros 2 milhões de ha nas regiões de Diamantino e do Aripuanã. Venceram a licitação: Colniza Ltda. (400 mil ha), Rendanil Empreendimentos (1 milhão de ha), João Carlos de Souza Meireles (200 mil ha) e Indeco S/A (400 mil ha).
A Indeco instalou-se no Aripuanã quando ainda estavam em pé 50 mil ha de castanhais nativos e muita maçaranduba, mogno, figueira, angelim, louro, ipê, sucupira cedro, tamboril e outras espécies nobres detectadas pelo Projeto Radam Brasil em toda a Pré-Amazônia mato-grossense.
A 40 minutos de vôo de Vilhena, a madeira valia ouro. E o ouro descoberto por garimpeiros em Darnanelos seduziu os colonizadores. Logo depois da fundação de Alta Floresta, a lavra manual rendia pepitas com o peso até 80 gramas e 720 a 750 gramas por barranco – o suficiente para que o Grupo Fazendas Reunidas contratasse topógrafos e geólogos para pesquisar a região.
Nunca uma empresa de táxi aéreo faturou tanto. Pertencente ao lendário Zé Arara, a Arara Táxi Aéreo integrou vilas e cidades a Itaituba (PA), onde o mercado do ouro estava em ascensão. Dali, a empresa fazia vôos também a mais de 5 mil cruzeiros a hora para Cuiabá e Belém. Era de se esperar. O contrabando deu e ainda dá muito trabalho à Polícia Federal. E a queda de preço do metal, tempos depois, piorou a situação.
Venda sem discriminatória
Em maio de 1975 o governador José Garcia Neto (Arena) enviou projeto à Assembléia Legislativa para corrigir a Lei 3.458, considerada prejudicial aos interesses de Mato Grosso. Alegava que o estado precisava produzir. Assim, “o preço das terras teria que ser o que melhor conviesse ao Estado, no momento da alienação”.
Pouco adiantaria a boa intenção. Quatro anos depois, constatavam-se diversas irregularidades na Codemat: dupla venda de terras pelo governo; parte das terras encontrava-se sub judice; desobediência a dispositivos do Estatuto da Terra; não-observância aos princípios básicos da licitação; não-comprovação da capacidade técnica e financeira dos licitantes; e outorga de escrituras definitivas sem observação dos prazos contratuais.
As escrituras foram entregues antes da aprovação dos projetos definitivos pelo Incra, Sudam e outros. A venda foi feita sem discriminatória da área.
No meio da na floresta, uma cidade CPI DA TERRA, 30 ANOS - Gente de Opinião
BRASÍLIA — Segundo a CPI da Terra, dos quatro projetos do norte mato-grossense, apenas o da Indeco fora executado regularmente, a leste do Aripuanã. A colonizadora pertencia ao pioneiro Ariosto da Riva. Ao projetar a colonização de Alta Floresta (9.310 km2), Riva já havia fundado outras cidades no atual Estado de Mato Grosso do Sul. Seu sonho era formar um grupo de fazendeiros que sobrevivesse com a colheita da própria região. Conseguiu.
Usando recursos da família e empréstimos bancários, o empresário fundou a Integração, Desenvolvimento e Colonização (Indeco) e logo adquiriu terras a preços irrisórios para colonização imediata. No primeiro ano foram plantadas 1 milhão de covas de café. O grão já fazia sucesso na Gleba Juara, no município de Porto dos Gaúchos, onde já fora plantado havia 12 anos. A pesquisa agrícola ganhou incentivo.
O município teve no extrativismo vegetal e mineral as mais destacadas atividades econômicas. Depois da fase do ouro, a agricultura cresceu com as culturas perenes de mamona, dendê, cupuaçu, seringueira, café, acerola, amendoim e algodão, além de outras frutas. Outra atividade de destaque na economia é a pecuária de corte.
Estradas para a Sudeco
Junto com a Fazenda Mogno S/A, a Indeco se beneficiou com 70,4 mil cruzeiros da extinta Superintendência de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste (Sudeco) para a construção de estradas em Alta Floresta e Paranaíta (a 64 quilômetros da primeira). De Alta Floresta originaram-se Paranaíta, Apiacás, Nova Monte Verde, Nova Bandeirante e Nova Santa Helena.
Na década de 80, com a sede do município consolidada, Ariosto ouviu do general-presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo: “Se a colonização de Sinop orgulhou-se de colocar uma usina de álcool no meio do sertão e Colíder ficou conhecida por ter sido a colonização que mais cresceu na década passada, Alta Floresta terá o direito de se orgulhar de se tornar município em apenas quatro anos, certamente, um fato único na história do País”.
Rosane Duarte Rosa, na monografia A função da Escola-Igreja no processo de colonização de Alta Floresta (MT), descreve o empresário: “A obstinação de Ariosto da Riva, em fazer de Alta Floresta um sucesso, tornava-o um personagem capaz de revelar múltiplas personalidades: de uma hora para a outra ele mudava de pai para coronel, de herói para bandido, de garimpeiro para empresário, dependendo de quem o descrevia. Mas o que ninguém podia negar é que ele era um líder carismático, atraente, sedutor e muito simpático, que agradava a todos e conseguia muito facilmente vender uma idéia”.
Quando Alta Floresta surgiu, entre 1976 e 1977, viajava-se durante 12 horas para vencer os 796 quilômetros até lá, pela poeirenta rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém). Cerca de 80% dos seus moradores eram colonos paranaenses, principalmente de Medianeira, Cascavel e Terra Roxa.

CPI DA TERRA, 30 ANOS - Gente de Opinião
GRILAGEM DE TERRAS NA AMAZÔNIA

Fonte:   montezuma@agenciaamazonia.com.br  - Agenciaamazonia é parceira do Gentedeopinião

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