Sábado, 4 de setembro de 2021 - 10h36
Falo obviedades e não tenho
gabarito algum para dar receitas balanceadas às grávidas amazônicas. No
entanto, curvo-me aos fatos: repercutiu o resultado de pesquisa feita pela enfermeira
Raquel Maia a respeito do nascimento de bebês abaixo do peso lá em Cruzeiro do
Sul, na fronteira brasileira com o Peru.
Se até no rico Estado de São
Paulo, o drama desafia a saúde pública, os programas de combate à fome, os
prefeitos, o que fazer? Não se vê a Comissão de Amazônia ou o próprio
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome se pronunciarem a
respeito desse drama amazônico.
É que a pesquisa foi concluída em
meados do ano, prezados leitores. E o próprio governo estadual acreano não
moveu uma palha para socorrer uma cidade na qual quase 10% dos partos resultam
em crianças abaixo de 2,5kg.
Quando se fala em sucessão
presidencial, defecções nos partidos, pré-candidaturas, é inadiável debater a
fome que nos rodeia.
Levantamento feito pela
Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo apontou que cerca de 80% das
adolescentes grávidas se alimentam de maneira inadequada durante a gestação. A
pesquisa, feita no Ambulatório de Nutrição do Hospital Maternidade Interlagos,
indicou também que apenas 10% conseguem mudar os hábitos alimentares na
gravidez.
E no Acre, Deus do céu?
Mesmíssima coisa. É isso, você acertou em cheio.
O levantamento paulistano foi
feito com 200 adolescentes gestantes, com até 17 anos, atendidas no ambulatório
no primeiro trimestre deste ano. Entre os problemas, o principal é a ingestão
excessiva de alimentos altamente calóricos e com grande teor de sódio. Os que
lideram a lista dos mais consumidos pelas jovens na gestação são os salgadinhos
industrializados, bolachas doces recheadas, hambúrguer, macarrão instantâneo,
chocolate, sucos de saquinho e batata frita.
A nutricionista do ambulatório,
Marta Del Porto Pereira, disse que esses problemas alimentares são prejudiciais
tanto para a mãe quanto para o bebê. “Consumir comidas assim durante a gestação
provoca alterações sérias nos níveis de glicemia da mãe, além de causar pressão
alta. E para o bebê, o sofrimento é inevitável, interferindo até mesmo na sua
formação e no ganho de peso”.
E na terra que produz a melhor
farinha do Brasil?
Em Cruzeiro do Sul, consome-se
farinha de qualidade a preço acessível, mas ainda não se adotou nem se difundiu
a cultura de que o caldo de macaxeira é um ótimo alimento. Há notícia de que
apenas a Prefeitura de Sena Madureira promoveu a distribuição desse suco numa
escola do Ensino Fundamental. E ficou nisso.
Da Secretaria Estadual de Educação do Acre não se tem notícia a respeito da possibilidade de se adotar um programa que inclua na alimentação da criançada, sucos e beijus coloridos, por exemplo.
Pré-natal? A pesquisadora Raquel Maia constatou baixo índice nesse município da região do Juruá. A pesquisa detectou ainda que as jovens mães pouco se importam se o que fizerem errado hoje refletirá no amanhã.
Complicado, mas nem tanto. É uma questão cultural também. Cultural e que impõe hábitos. Por que não praticá-lo, tornando o Acre um laboratório amazônico?
Fácil falar, duro de fazer? Nem tanto. Parlamentares amazônicos (sim, porque não apenas o Acre tem bebês abaixo do peso) poderiam se unir à Frente Parlamentar da Saúde, a fim de buscar alternativas alimentares para essas meninas. Suco de macaxeira, farinha de castanha, queijo de castanha por exemplo. São riquezas acreanas. Tanto quanto a soja e a cana-de-açúcar o são em outras regiões brasileiras.
A distribuição desses produtos? Ora, isso é obrigação do governo estadual estudar, fazer acontecer. É algo viável! A pesquisadora da Embrapa-AC Joana Souza tem estudos e uma tese bonita a respeito. E o Acre produz muita castanha.
Quanto ao suco de macaxeira, mães indígenas na Transamazônica foram flagradas no início dos anos 1990 pelo pesquisador da Embrapa Biotecnologia, Luiz Joaquim Castelo Branco Carvalho, alimentando seus bebês com suco de mandiocaba (a mandioca açucarada do Pará).
Paralelamente às doutrinações da Igreja, essa mulherada precisa se alimentar melhor, para dar à luz bebês robustos e com chance de vida. Será que o Fome Zero poderia adotar uma vertente de resultados para Amazônia?
Boa semana, senhores médicos, enfermeiros, secretários de saúde e ministros responsáveis por resolver ou, ao menos atenuar o problema. Espero que o tema tenha o mesmo peso da gripe suína.
Por fim, a surrada frase, muito ouvida de parlamentares da região em reuniões nas diversas comissões da Câmara: “A Amazônia também tem gente”. E daí, cara-pálida, o que faz por essa gente?
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· Este texto foi publicado em 2009. Não lhe parece atual?
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