Sábado, 28 de dezembro de 2013 - 19h15
Interior da Fazenda Santa Elina, no município de Corumbiara: em 2010, camponeses dialogam
com policiais militares durante o início do corte dos lotes por conta própria /DIVULGAÇÃO
MONTEZUMA CRUZ
De Brasília
Cinco dias antes do final de 2013, o governo federal anuncia 92 decretos de desapropriação de 193,5 mil hectares de terras para a reforma agrária no País. Para tanto, o Ministério do Desenvolvimento Agrário revogou portaria interna que tratava da “nova sistemática de obtenção de terras destinada a esse fim".
Em fevereiro deste ano, o governo acenava com a "qualificação" dos novos assentamentos. Não faltam vozes de parlamentares – e até dentro do governo – bradando “contra o favelamento rural” em alguns assentamentos.
Se consolidados todos os decretos, a área possibilitaria o assentamento de 4,6 mil famílias em 16 estados: Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Espírito Santo, Sergipe, São Paulo, Santa Catarina, Piauí, Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Tocantins.
Descartados do atual rol de “benesses”, Rondônia e Mato Grosso do Sul exibem situações especiais: no primeiro estado, antes que o Incra acordasse da letargia, em 2010 camponeses mediram e lotearam à força 250 lotes de oito alqueires no interior da Fazenda Santa Elina, palco da Chacina de Corumbiara. No segundo, uma quadrilha incentivada por vereadores, negociou lotes em assentamentos na região sul do estado, levando o Incra a paralisar a liberação de recursos.
O anúncio de cem desapropriações, pela presidente Dilma Rousseff, não traz o devido ânimo às famílias. Estatísticas oficiais colocam a chefe do governo na rabeira entre os presidentes que menos desapropriaram imóveis desde o fim do regime militar. Desde 1992, quando foram publicados quatro decretos, a atual liberação é a menos significativa, e isso fortalece latifúndios.
Cacoal, 1979: sucessivos despejos em terras griladas mobilizaram famílias contra a
política do Incra, então marcada pela desassistência /MONTEZUMA CRUZ
Filme e discursos repetidos
Desde meados dos anos 1970, quando ocorreu a maior corrida migratória de sulistas e sudestinos rumo à Amazônia, a reforma agrária nunca atendeu às reais necessidades de quem se dispunha a produzir alimentos sem a fobia das culturas de exportação. Itens necessários para que a reforma funcionasse, cidadania e assistência técnica na “abertura” de lotes estiveram totalmente desprovidos dos mínimos recursos.
Os governos Fernando Collor de Melo, Itamar Franco, José Sarney, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva duas vezes, e atualmente sua sucessora, não aprenderam lições que seriam definitivas. Assim, a publicação dos decretos presidenciais expõe a mesmice fundiária à qual o País se habituou desde quando enterrava na floresta as vítimas da malária ou cruzava os braços ao ver colonos entregarem seus lotes aos bancos, como pagamento de dívida de financiamentos rurais ao longo da BR-364 e em regiões só acessíveis por picadas e pequenas vicinais.
Decretos de reforma agrária às vésperas da Copa Mundial de Futebol e de eleições gerais no País não significam a automática criação de projetos de assentamentos, senão, apenas o início de convênios e tratativas.
O anúncio veio na sequência de diversas manifestantes de trabalhadores rurais e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, pedindo a retomada das desapropriações nos estados.
Mesmo com esse quadro nebuloso, pois não se sabe exatamente quando esses assentamentos sairão do papel, a presidente olha para o espelho, dizendo a si própria acreditar numa avaliação da “viabilidade produtiva”.
Toda letargia tem limites e possivelmente o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, deve ter recorrido aos arquivos jornalísticos e aos documentos que mofavam nos armários de sua Pasta. Quatro décadas depois da odisseia enfrentada por famílias que se embrenharam na selva amazônica, ele repete o discurso da assistência técnica, prometendo que agora ela será adotada de verdade. No entanto, pé atrás, lamenta que “grande número de áreas – 303 imóveis rurais – somando 536 mil hectares estejam “no gargalo da judicialização”.
Nessa área, ele estima que seria possível assentar entre 17 e 18 mil famílias. Ações totalizando mais de R$ 1 bilhão resultaram em dinheiro depositado em juízo pelo Incra.
Rio Pardo, novembro e dezembro de 2013: governos federal e estadual não cumprem termo
de ajustamento de conduta, e os conflitos se sucedem /DIVULGAÇÃO
Prisões arbitrárias
Em Rondônia, onde a reforma agrária é novamente protelada, na manhã do dia 18 de dezembro de 2013 um efetivo de trezentos homens da Polícia Federal, Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar, Polícia Civil e outros agrupamentos armados, com a cobertura de três helicópteros, montaram uma operação de guerra contra as famílias de Rio Pardo, região de Buritis.
Longe dos gabinetes da senhora Dilma Roussef e do senhor Pepe Vargas, dava-se “continuidade na investigação da morte do soldado da Força Nacional PM, Luís Pedro de Souza Gomes. Policiais prenderam mais 12 camponeses, entre os quais o presidente da Associação de Moradores da Linha 6 da Região de Rio Pardo, José Luiz Saldanha, e Leandro de Freitas Vieira – este, anteriormente vítima de tortura.
Houve lesões corporais entre as famílias acampadas e uso de gás lacrimogênio para dispensar homens, mulheres e crianças. São os mesmos que aguardam outra promessa não cumprida pelas autoridades federais: a validação de um termo de ajustamento de conduta, pelo qual os governos federal e estadual retirariam famílias da área da Floresta Nacional Bom Futuro para reassentá-las numa Área de Proteção Ambiental. Pelo acordo, elas se retirariam das terras por 90 dias, até que um novo local fosse providenciado. Dez anos se passaram, e o Incra não cumpriu a sua parte. Cerca de 270 famílias retornaram.
O mandado de prisão contra um número indefinido de camponeses e de pequenos comerciantes fora expedido pela 3ª Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária de Rondônia, nos autos do Processo Nº 12233-29.2013.3.01.4100. Situação bem parecida com a do velho Território Federal, quando Rondônia dependia das ações de apenas um juiz federal que também atendia ao Estado do Acre.
Segundo consta no atual mandado, a prisão tem caráter preventivo, pela acusação de crimes previstos nos artigos 29, 121 e 329 do Código Penal. Lamentavelmente, não existem provas, testemunhas ou evidências dessas acusações. Logo, são prisões arbitrárias.
A maioria dos presos são moradores antigos de Rio Pardo, acusados “no atacado” de terem assassinado o soldado da Força. E não há qualquer laudo a respeito da morte do policial, tampouco o calibre da arma da qual saiu o tiro.
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