Quarta-feira, 21 de novembro de 2007 - 11h52
MONTEZUMA CRUZ — Justiça, enfim, condena mandantes da morte de Agenor Carvalho, defensor de posseiros em Rondônia. As façanhas de alguns fazendeiros em Rondônia eram antigas. Um deles, o cearense José Milton de Andrade Rios se envolveu em maio de 1968 com o extermínio de índios Cintas-Largas. Ele foi acusado de ordenar a uma turma de sete homens a matança de homens e mulheres durante pesquisa de minérios feita perto do Rio Roosevelt. Armados, eles mataram dez índios e perderam o mateiro, apelidado de Paraguaio.
No mesmo mês, no Aripuanã, os Cintas-largas atacaram o acampamento do garimpeiro Raul Moreda, conhecido por Raul Espanhol. O garimpeiro Constantino Borges morreu e três outros foram flechados.
Segundo antigos moradores da região do Aripuanã, ao contrário do que declarou, Raul Espanhol buscou reforços no acampamento do companheiro dele, conhecido por Manelão. E voltaram a atirar nos índios. Não se tem notícia de quantos morreram no segundo conflito. Os processos foram esquecidos pela Justiça, a exemplo da chacina do Paralelo 11, praticada contra os próprios Cintas-Largas por mateiros dos fazendeiros Arruda e Junqueira, de Cuiabá.
Era comum a polícia tomar espingardas dos posseiros, mas permitir arsenais completos em mãos de fazendeiros. Em Porto Velho , o advogado goiano Agenor Martins de Carvalho acusava José Milton de guardar um estoque de armas pesadas no Seringal Muqui. Armas de grosso calibre, só autorizadas para fins militares.
Jesuína Albuquerque, 52 anos, ocupava sete estradas de seringa, plantava café, mandioca, milho, arroz e feijão. Tinha 50 hectares. Um dia foi enxotada pelos jagunços Timóteo e Boca Preta. Derramaram suas tigelas de látex e a despejaram. Ela perdeu tudo. O marido, Raimundo Oliveira de Albuquerque, 53, epiléptico, sofreu muito com a ação dos jagunços. Em seguida, a polícia o prendeu. “Coitado, é quase um inválido; judiaram muito dele; procurei a Justiça em Porto Velho , mas seu Zé Milton é protegido”, lamentava Jesuína. Esse tráfico de influência e a impunidade duraram quase três décadas. Só agora, a Justiça de Rondônia condenou os mandantes da morte de Agenor Carvalho.
Denúncias na CPI
As denúncias chegaram à CPI da Terra, na Câmara dos Deputados, aumentando a ira dos fazendeiros contra a pessoa que os incomodava e atrapalhava os prósperos negócios. Eles então planejaram matá-lo, transformando-o num dos mártires da luta pela terra na Amazônia.
Nascido em Porangatu, Agenor (foto) cursou Direito em Goiânia e sonhou em ser um dos pioneiros em Rondônia. Chegou ao extinto Território Federal em meados da década de 1970. As famílias de sem-teto e sem-terra viviam desamparadas e a única voz que as defendia, na Câmara dos Deputados era a do deputado federal (três vezes eleito) Jerônimo Garcia de Santana, outro goiano, de Jataí. Ao se estabelecer numa pequena sala no centro da capital rondoniense, Agenor foi logo procurado por famílias de sem-terra e sem–teto, que não conseguiam advogados para pleitear os seus direitos.
Os processos judiciais contra elas se avolumavam naquele período e a Justiça ordenava despejos com o uso da Polícia Militar, a maioria deles sob clima de violência e comoção. Começava a cobiça às terras da periferia de Porto Velho, das glebas do interior e das reservas indígenas, todas elas ricas em mogno, castanheira, angelim, cedro, canafístula e outras madeiras de primeira linhagem.
Insensibilidade
O deputado Jerônimo Santana cobrava: “Não interessa à polícia apreender revólveres 44 e metralhadoras?”. Não interessava. O fazendeiro era intocável. Fora até elogiado pelo governo de Rondônia na própria CPI da Terra. Enquanto isso, a polícia tomava as espingardas dos posseiros.
Nos anos 1970 e 80, posseiros não conseguiam advogados em Rondônia /KIM-IR-SEN Os jagunços de José Milton se tornaram conhecidos por Bando do Muqui, nome de um antigo seringal situado a 367 quilômetros de Porto Velho. Ji-Paraná, que ainda se denominava Vila Rondônia, acomodava um ‘sindicato de pistoleiros de aluguel’, ou ‘sindicato do crime’, chefiado, entre outros, por Norival Félix de Almeida, desde os tempos da antiga Vila Rondônia (ex-Urupá). Seus integrantes tocaiavam, matavam e jogavam os cadáveres nos rios, ou os abandonava na beira da estrada. As bibliotecas da Câmara e do Senado guardam alguns livros publicados por Santana, no qual ele narra as atrocidades cometidas contra índios e sem-terra.
Os ‘sindicatos’ funcionavam em moldes semelhantes aos de Rio Maria (PA), que eliminava posseiros, líderes sindicais, e perseguia constantemente o padre Ricardo Rezende, da Comissão Pastoral da Terra. Ou daquele ‘sindicato’ de Cuiabá, cujos pistoleiros exibiam revólveres 44 na cinta, em plena Praça Alencastro , no centro da capital mato-grossense.
Condenados os mandantes da morte do “advogado dos pobres”
BRASÍLIA – Em 31 de agosto último, decorridos 27 anos, nove meses e 22 dias do assassinato de Agenor Martins de Carvalho, a juíza Rosemeire da 6ª Vara Cível, Falência e Concordatas, de Porto Velho, Conceição dos Santos Pereira, condenou os mandantes a indenizar a família dele.
O fazendeiro José Milton Rios e o empresário Carlos Figueiredo terão que indenizar com R$ 302 mil à viúva Dalal Skaff de Carvalho e aos órfãos Rodrigo Otávio Skaf de Carvalho, Valdemir Skaf de Carvalho e Fabrício Skaf de Carvalho, por dano moral. Os mandantes do assassinato do conhecido “advogado dos pobres” devem arcar, também solidariamente, com o pagamento das custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios arbitradose m R$ 10 mil.
Agenor, que na época também era atuante secretário-geral do PMDB, foi morto com um tiro de revólver 38 no coração, no quarto de sua casa, em 9 de novembro de 1980, ao voltar de uma festa de aniversário em Porto Velho. O governo estadual deu o nome do advogado ao presídio regional semi-aberto na capital de Rondônia. Ele também é nome de rua no bairro que o homenageia.
A CPI do Sistema Fundiário em 1977 teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e de dois jornalistas. Na defesa dos posseiros atuavam a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Fonte: Montezuma Cruz - Agenciaamazonia é parceira do Gentedeopinião
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