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Montezuma Cruz

Segue a luta pela terra


Esta matéria encerra a série. Passados 30 anos da CPI que desnudou o setor fundiário, o que mudou no País?
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MONTEZUMA CRUZ


montezuma@agenciaamazonia.com.br


BRASÍLIA – Reforma agrária é o primo pobre, colonização é o primo rico. Ao chegar a essa conclusão, a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou o Sistema Fundiário Brasileiro em 1977 deixou evidente a malícia, segundo a qual o Incra era a idéia principal e a reforma, idéia acessória. “O Incra não faz, não fez e é provável que jamais fará a reforma agrária”, encerrou o documento, expressando pouco ou nenhum otimismo.

Como está o setor fundiário três décadas depois daquela CPI, quando só existiam a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT)? De lá para cá surgiram o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e outros movimentos que até hoje repetem a mesma ladainha, reivindicando assentamentos, crédito agrícola, saúde e educação.

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De Figueiredo, ela recebe o título de generosos 100 ha, mas faltam-lhe crédito, saúde e assistência técnica /M.CRUZ
O precioso relatório recomendava a construção de escolas. Três décadas depois, nos lugares onde não há uma sala de aula, o ensino é ministrado por Escolas da Família Camponesa até mesmo em casas de madeira e barracões. A malária matava e ainda mata na Amazônia. Órgãos ambientais não tinham infra-estrutura e recursos humanos; continuam carentes em ambos os aspectos. Com o inevitável desmatamento, já se recomendava a conservação da floresta, condenava-se a atividade pecuária e suplicava-se o combate ao trabalho escravo.

No final de 1984, já no governo João Baptista de Oliveira Figueiredo e no fim da ditadura militar, anunciou-se oficialmente a emissão do milionésimo título de terra. O marketing presidencial mencionava que o País promovia “o maior programa de reforma agrária do mundo”. E essa reforma concedia lotes de 100 hectares (ha) ao colono. No recém-nascido Estado de Rondônia, muitos lotes de colonos falidos por falta de recursos se transformaram em prósperas fazendas.

No governo José Sarney, o primeiro após o regime autoritário, surgiu o 1º Plano Nacional de Reforma Agrária. Veio a Constituição de 1988, mas não foi mais possível desapropriar terras produtivas, uma concessão do Estatuto da Terra de 1964. Uma sucessão de ações contestatórias abarrotou o Poder Judiciário e grande parte da situação até hoje perdura.

Paulistas e Proterra

A CPI constatou que os paulistas estenderam os seus tentáculos à região. “Além de possuírem 98% das terras cadastradas no próprio Estado de São Paulo, latifundiários lá residentes detinham 54,8 milhões de hectares fora de suas fronteiras”, alertava o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), sociólogo José Gomes da Silva, com base nas advertências anteriormente feitas pelo ex-ministro da Indústria e Comércio e próspero empresário, Severo Gomes.
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Rondônia foi o laboratório da reforma agrária do regime militar /KIM-IR-SEM
Isso, segundo Silva, significava duas a três vezes a área de terras que controlavam no estado. “No estado mais rico da Federação, cujos residentes têm ali a maior taxa de propriedade, eles ainda possuem quase 55 milhões de há fora dos seus limites”, criticava.

Houve distorções gritantes. Na época, o Incra ainda classificava os proprietários rurais em dois tipos: com um imóvel e com mais de um. Aqueles detentores de mais de um possuíam cinco vezes mais terras que os proprietários de um único imóvel. Quem apurou tudo isso também foi o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), num relatório que causou grande repercussão ao ser divulgado. 

“Letra fria da lei”

Para o sociólogo, um dos primeiros desvios na reforma agrária ocorreu em 1966, com a constituição do Grupo Executivo de Racionalização da Agroindústria Canavieira do Nordeste (Geran), uma tentativa de solução regionalizada para o problema na Zona da Mata Nordestina. Não prosperou, foi extinto, e suas prerrogativas passaram à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

Em 1967, o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA, antecessor do Incra) desvinculou-se da Presidência da República para subordinar-se ao Ministério da Agricultura como órgão de terceira instância executiva. Perdeu a força e o poder que lhe foram atribuídos. Perdeu também os recursos financeiros oriundos da União. Nas palavras de Silva: “Fez crescer ainda mais a distância entre a letra fria da lei e a efetiva ação daquele órgão”.


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Na porta do Banco do Brasil em Ji-Paraná: a espera pelo financiamento agrícola /M.CRUZ
Bispos, jornalistas e outros depoentes sustentaram na CPI de 77 que toda política governamental estava dirigida para a grande empresa ou a grande área fundiária – esta não transferia renda. Os recursos do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (Proterra), originalmente concebido para promover uma reforma agrária consentida, foram canalizados para a infra-estrutura. Transformou-se num programa de crédito convencional dirigido para as grandes propriedades. Ou seja, a contra-reforma.

Uma das grandes barreiras à correção do sistema fundiário brasileiro foi o temor do igualitarismo. Isto é, que a redistribuição no setor fundiário fosse transportada para a redistribuição em qualquer outro setor da economia. Estariam nivelados, então, agricultores progressistas, industriais de São Paulo e usineiros do Nordeste.

País tem ainda 150 mil acampados

BRASÍLIA – Hoje se encontram na ordem do dia no Incra e no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) o reconhecimento de terras de quilombolas (descendentes de negros que viviam nos quilombos); a produção de biocombustíveis em assentamentos; o recadastramento de imóveis rurais; e o combate à fome. Entre 1995 e 2006, o governo federal assentou 370,7 mil trabalhadores rurais na região Norte; 310,4 mil na região Nordeste; 156,6 mil no Centro-Oeste; 42,8 mil na região Sudeste; e 41,3 mil na região Sul, informa o MDA. Total: 973,5 mil assentados. Nesse cálculo estão incluídas 32,5 mil famílias de 2000 e 18,9 mil de 2001, com processos em fase de obtenção.

A Diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento revelou que, entre 2003 e 2005 criou 1,6 mil projetos, com áreas de 23,4 milhões de ha, pouco mais de nove vezes o total dos 14 milhões de ha recuperados de latifundiários pela Comissão de Discriminação de Terras Devolutas na época da CPI. O contraste é ainda a existência de 150
mil famílias acampadas (cálculo do MST) em lonas pretas, à beira de latifúndios improdutivos, e 4,8 milhões de famílias sem-terra vivendo numa situação de extremo abandono. Tensão no campo e inchaço na periferia das cidades.

100 milhões de ha agricultáveis
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Estima-se em 150 mil o número de famílias acampadas no País /MEDIATECA
Há três anos, a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos estimou e o Incra confirmou em 100 milhões de ha o volume de
terras próprias para a agricultura, mas não cultivadas. A concentração de terras em poucas mãos persiste: 2% de proprietários detêm 56% das terras; de outro lado estão 80% de pequenos produtores com 12% das terras agrícolas. 


Quando promove os seus protestos, o MST denuncia que os trabalhadores rurais sofrem com o aumento da concentração de terras e com o avanço do agronegócio no Brasil. “Isso tende a se agravar com a expansão dos biocombustíveis”, reafirmam as notas distribuídas pelo órgão.

O MST defende um modelo agrícola baseado nas pequenas propriedades para a produção de alimentos e criação de empregos. Acredita que o assentamento imediato das 150 mil famílias movimentaria a economia com a criação de 750 mil empregos diretos e indiretos.

Vantagens para o produtor familiar

Entre os avanços governamentais destacam-se o funcionamento do Programa Arca das Letras, da Secretaria de Reordenamento Agrário do MDA, com a instalação de bibliotecas em comunidades rurais do estado. Na década de 1970 o crédito era escasso para contemplar os posseiros que recebiam títulos em projetos do Incra em Rondônia. Hoje , mesmo que os assentamentos não sejam suficientes, parece chover dinheiro: o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (Pronaf) beneficia 1,6 milhão de famílias no País, aptas a receber os R$ 12 bilhões do Plano Safra 2007-2008, conforme afirmou o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel.

Em 2006 o Incra investiu R$ 24 milhões no Programa de Consolidação de Assentamentos (PAC), que atendeu cerca de 10 mil famílias com infra-estrutura e serviços. Os números de 2007 ainda não foram anunciados.
Relatório de 77 pediu assentamentos
no Amazonas, Rondônia e Acre

BRASÍLIA – A CPI da Terra de 1977 fez diversas sugestões para melhorar o Sistema Fundiário Brasileiro. Acre e Rondônia ganharam prioridades. Em Mato Grosso , a colonização particular avançava. O documento final, conforme a Agência Amazônia noticiou na primeira matéria desta série, foi assinado pelos relatores Walber Guimarães (MDB-PR) e Jerônimo Santana (MDB-RO).

O deputado Jorge Arbage (Arena-PA) não assinou o documento que foi publicado na íntegra no Diário Oficial do Congresso Nacional.


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Criação de uma empresa de colonização, sob a forma de empresa pública, para operar em moldes empresariais a colonização na Amazônia.


▪ Reformulação
da política de concessão de grandes áreas;

▪ Revogação das Resoluções 005 e 006;

▪ Aplicação da legislação que define a reforma agrária;

▪ Reformulação do Poder Judiciário e do sistema cartorário, como meio de prevenir as fraudes nos registros e transmissão de propriedades;

Transformação do Incra em órgão promotor da reforma agrária, deixando de ser seu obstáculo, como ocorre atualmente;

Justiça Agrária
no País;

▪ Providências contra a corrupção e grilagem no setor fundiário;

▪ Vincular o Incra diretamente à Presidência da República;

Uma política definida e clara com relação às terras devolutas e a ocupação dos espaços vazios no Brasil;

Gente de Opinião▪ Reestruturação da Funai com relação à preservação das áreas indígenas;

▪ Encaminhamento imediato

de todas as denúncias de fatos criminosos e respectivos documentos, que chegaram a esta CPI, destinados às autoridades competentes. Documentos relativos à grilagem devem ser imediatamente encaminhados ao Senhor Procurador Geral da República;

▪ Encaminhamento imediato, ao Senhor Presidente da República, das denúncias de todos os depoimentos prestados a esta CPI pelos Bispos da Igreja Católica;

 Criação de pelo menos cinco projetos de assentamentos de colonos em Rondônia e, pelo menos, outros tantos no Acre, tendo em vista milhares de famílias que já se encontram na região, sem terra para trabalhar, uma vez que este ano o Incra não fez previsão para destinar lotes a colonos;

▪ Criação de pelo menos dois projetos de assentamento na região de Humaitá e Lábrea.

▪ Criação de projeto de assentamento de colonos e seringueiros na região de Boca do Acre.

▪ Criação de um projeto de assentamento de colonos na região limítrofe Acre-Rondônia;

Gente de OpiniãoTransferênciadas atribuições para a construção de estradas vicinais nas regiões da colonização oficial para os órgãos encarregados da construção de estradas de âmbito federal, DNER, de âmbito regional, DERs e de âmbito municipal;

Transferências
às respectivas secretarias de Educação das responsabilidades pela construção de escolas e aplicação do ensino nas áreas da colonização oficial;

▪ Atribuição às respectivas secretarias de Saúde das responsailidades pelos problemas de saúde nas áreas de colonização oficial;

▪ Tanto quanto possível, buscar uniformização da legislação agrária nos estados;

▪ Na preservação da ecologia
, na Amazônia, impõe-se melhor aparelhamento do IBDF (antecessor do Ibama) na região; providências imediatas devem adotadas com relação à devastação indiscriminada das florestas na região;

Estabelecer a obrigatoriedade
do reflorestamento na Amazônia; atualmente só existe o desmatamento;

▪ A supressão imediata da política de ocupação da Amazônia pela pata do boi, pela estratégia de ocupação humana, tornando o homem o centro dos programas governamentais;


Gente de Opinião▪ Amparo social ao homem da região amazônica, atualmente esquecido pelos programas oficiais, voltado apenas para obras físicas;

▪ Presença efetiva da fiscalização do Ministério do Trabalho nos projetos beneficiados por incentivos fiscais, para evitar a escravidão branca;

▪ Possibilidade de acesso à terra aos seringueiros localizados na Amazônia.


NOTA

A CPI do Sistema Fundiário em 1977 teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e de dois jornalistas. Na defesa dos posseiros atuavam a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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