Quinta-feira, 30 de maio de 2013 - 13h45
Neste final de semana prolongado por conta do feriado de Corpus Christi, a Ilha do Xirizal está fervendo. O divino e o profano mexem com as almas de todos os seus habitantes e atrai uma multidão de romeiros e religiosos, comerciantes e marreteiros. E muita gente que só quer saber mesmo é da folia, de dançar forró, tomar cerveja e rosetar.
No domingo é a festa da padroeira, Nossa Senhora das Causas Difíceis, que reina naquele reinado amazônico desde que se descobriu que a seiva da seringueira virava borracha e pegava fogo. A imagem, entronizada no centro do altar da pequena capela feita de pachiuba e coberta de palha de babaçu, é a mesma que o velho Gonçalo esculpiu num pedaço de cerejeira num momento de desespero e a entronizou num altar improvisado no meio da ilha. E orou com tanta fé, que o mesmo jacaré gigante que comeu seu filho de cinco anos, passou, daquele dia em diante, a vigiar e guardar a família contra os ataques de outros jacarés e de muitas cobras grandes.
O milagre correu mundo floresta adentro e a fora, no lombo das canoas e na boca dos habitantes das ribeiras e das matas. Atravessou eras e tempos. A Ilha do Xirizal ganhou novas casas e muitos moradores. Prosperou. E ali também, se instalou, longe das sedes e dos casarões dos senhores dos seringais, a bela Ana do Pau Fedido, endereço obrigatório dos passageiros dos naviozinhos do Zé das Canoas, levando e trazendo gente indinheirada para as benesses do colo quente e macio da encantadora e foquenta dama. No dizer de muitos, parecia até uma belíssima Mãe-D’água prateada em noite de lua cheia. Ela ganhou o sobrenome em função de ser a mesma bacia, a mesma água e o mesmo pano branco que oferecia para a higiene dos clientes. Mas isso, era só um detalhe à toa, que não tirava nem diminuía a satisfação do visitante.
Essa movimentação evoluiu. E o progresso chegou mesmo foi quando a filha da Ana do Pau Fedido construiu uma casa grande e fundou o Forró Xiriquépau, que passou a receber as mais importantes bandas da cidade grande. Até a Piolho de Cobra, de Porto Velho, se apresenta lá. E mais gente passou a aportar na ilha todo fim de semana. Os moradores aplaudiam essas novidades. Eram oportunidades de ter notícias das novidades só conhecidas pelas ondas curtas e médias dos rádios a pilha e grandes antenas de fios espichados sobre as casas simples.
Nessa evolução, a Ilha do Xirizal um dia recebeu a visita do primeiro pastor anunciando o fim dos tempos para breve e, antes ainda, a vinda do Senhor Jesus para resgatar os seus servos do fogo eterno do inferno. Tirou o sono e a inocência sem pecado daquela gente simples que logo criaram a primeira Igreja Pentecostal e passaram a louvar o Espírito Santo a pleno pulmões. Espantando os moradores das matas até então acostumados com as orações e cânticos suaves comandados pelo padre, em dias especiais, e pelo barulho alegre das sanfonas, da zabumba, do triângulo e do pandeiro. E assim, nasceu a festa evangélica que, todo ano, nesse tempo, traz pregadores e cantores de todos os cantos da Amazônia e até do estrangeiro.
É ali, nesse final de semana, entre orações à Nossa Senhora das Causas Difíceis de manhã, louvações ao Espírito Santo à tarde, e forró com cerveja e mulher de traquejo nos quadris à noite, que circulam as gentes dos governos e os povos contra os governos entre as multidões da Amazônia. Os primeiros relaxam. Os outros se descabelam. Como vamos fazer pra manter o povo junto gritando palavra de ordem contra esse governo que taí, com tanto feriado e as portas públicas fechadas? Só mesmo tomando uma cerveja bem gelada no bar da Maria Beradão e olhando as bundas das garçonetes com suas sainhas curtas.
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