Terça-feira, 30 de julho de 2013 - 10h05
Tem mais de mês que não escrevo. Não aguentava mais. Muita coisa pululando dentro de mim. Doidas pra sair. Ganhar vida, ganhar liberdade, ganhar mundo. A cicatriz do meu braço esquerdo me cobrando: e aí, vai ficar quieto, não vai fazer nada, dizer nada? Me relembrando tudo direitinho. As passeatas, os almoços do Calabouço pontuados de discussões acaloradas sobre a Revolução, a educação, a política e a matreirice das raposas do Palácio Monroe, ali na Cinelândia, onde funcionava o Congresso Nacional, no sempre belo Rio de Janeiro. José Sarney já estava lá com seu indefectível bigode, fazendo versos para as mulheres dos generais da Ditadura. Salvando a pele, matreiramente. Homem da Arena, adversário do MDB.
Ví os jovens tomarem as ruas do nosso país e senti o sangue fervilhar nas veias. De Norte a Sul seus gritos de basta ecoaram. Minha boca escancarou-se para libertar o grito preso na carne, na alma e no coração desse velho subversivo. O grito do sonho e da utopia que somente os jovens têm coragem de ter por um mundo melhor, mais justo e mais fraterno.
Nem me incomodaria de ter o outro braço ferido por granadas de efeito moral como aquela que me feriu no Largo do Russel bem em frente ao Hotel Glória. Exatamente o preferido do Sarney no Outeiro da Glória, de frente pra Baia da Guanabara. Até hoje é só lá que ele fica, entrando e saindo sempre pela mesma porta e obrigando o pé direito ao primeiro passo para entrar e sair. O traidor da Arena acoitado no hoje PMDB. Ali meu sangue verteu pela liberdade do meu país e dos meus patrícios. Alí comecei uma longa jornada de cavaleiro errante pelas cidades do interior do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Três anos de fuga dos meganhas da Revolução sem poder voltar pra casa nem ver minha namorada nem completar meu artigo 99.
Viram porque somente agora, aos 69 anos, estou fazendo minha faculdade de Direito? Eles interromperam minha vida tirando-me o direito de ser o que seria para ser o que foi possível. Meu crime? Ser secretário de redação do Jornal dos Estudantes apoitado no Calabouço e sob a bandeira da União Metropolitana dos Estudantes do Rio de Janeiro, que proclamava o direito à liberdade.
Os jovens que tomaram as ruasagora, cinco décadas depois, lavaram minhalma e, finalmente, pude entregar o bastão. Estou aliviado e agradecido a Deus por ter me dado vida para ver esse momento. E para coroar nos chega o Papa Francisco reconhecendo o quanto é saudável e desejável da utopia dos jovens.
Com tantas coisas ruins teimando em se repetir em nosso tão novo estado, envolvendo sem parar, os nossos parlamentos, nos tornando céticos em relação a todos que se posicionam como defensores da moral e dos bons costumes, não nos resta alternativa senão louvar essa força jovem que se une para protestar e rezar para que nos livremos desses sepulcros caiados. Aos subversivos de hoje, entrego os sonhos da minha subversão, porque a luta continua.
Osmar Silva – jornalista – sr.osmarsilva@gmail.com
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