Sexta-feira, 9 de setembro de 2011 - 05h44
Gente, não precisa nem fechar os olhos, basta fixá-los num ponto para ver a cena como se fosse agora. Vejo aquele garotinho numa manhã invernosa de 1980. Cabelo liso, cheio, cortado à moda Pequeno Príncipe, com a franja caindo no meio da testa. Seguia segurando a mão da professora Júlia, os pés enfiados nas botas, como a mãe. Com sacolas de materiais nos ombros, seguravam sombrinha e guarda chuva. Ele ria ao enfrentar a lama espessa, escorregadia e grudenta, que atrasava a caminhada ao dar um passo para frente e meio para trás. George ia para a Escola Pingo de Gente, da professora Geni Panizzi, e ela para o Colégio Heitor Vila Lobos, onde ensinava.
A caminhada penosa começava na 5ª Rua do Setor 1, passando pela floresta às margens do bairro, onde hoje é o valorizado Setor 3, e a mata nativa da Setor Institucional até chegar na escola infantil no Setor 4 onde, diariamente, surgiam novas casas. Era um exercício de malabarismo andar nas poucas ruas de Ariquemes sem cair e sem tomar um banho de lama dos carros que passavam. Normalmente eu os levava de carro. Mas naquele dia eu acabara de chegar do Jornal O Parceleiro, onde entrara na tarde do dia anterior e atravessara a noite para garantir a circulação, em toda Rondônia, de mais uma edição. Estava morto.
Parece referir-me há um tempo antigo. Mas não. Aquele garotinho, o grapiuna doutor George, nascido no Hospital Manoel Novaes, em Itabuna, Capital Mundial do Cacau, no Sul da Bahia, agora que chegou aos 40 anos. Hoje, um cirurgião dentista bem sucedido, comandando a sua Clínica Dr. George Patta, na 3ª Rua do Setor 3. Exatamente onde existia a floresta de onde vinham os sons de periquitos, papagaios e araras que ouvia quando ia pra escola. E onde brincava com os amigos de infância e tantos sustos nos deu. Às vezes escutávamos esturros de onças naquela floresta. Esse ambiente deve tê-lo marcado muito. E fez brotar um grande amor pela sua nova terra. Tanto que mesmo estudando em outros estados desde o segundo grau até se formar, e com oportunidades de ter ficado por lá, preferiu voltar para a sua Ariquemes.
É essa geração que está ocupando os espaços de Rondônia. Uma geração forjada no sacrifício, juntos dos seus pais, os pioneiros que domaram a selva enfrentando todo tipo de adversidade. Da falta de tudo ao ataque feroz das doenças que tantas vidas ceifaram. Cada um tinha travava sua própria luta. As derrubadas impostas pelo Incra, ceifavam vidas. As onças, cobras e até os índios também. A malária, o maior assassino, matava sem dó.
A tudo isso, a geração do doutor George enfrentou. Poucos, como ele, tiveram condições de estudar e se formar fora de Rondônia. Estávamos muito longe do pólo universitário de hoje. A nossa Unir ainda estava nos cueiros. E os custos da educação lá fora eram muitos altos. A absoluta maioria dos jovens ficou por aqui ajudando seus pais nas roças e nas cidades. Muitos destes são hoje dirigentes bem sucedidos dos negócios da família e só agora buscam o conhecimento acadêmico. A meu filho, doutor George, e seus contemporâneos, rendo esta singela homenagem, pois a eles cabe o direito de assumir os destinos desta terra que nos acolheu e que aprendemos a amar.
Osmar Silva / sr.osmarsilva@gmail.com
Fonte: Jornalista Osmar Silva/DRT 1035 - sr.osmarsilva@gmail.com
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