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Gente de Opinião

Osmar Silva

Os mercadores de Deus


 

 

“Daí de graça o que de graça recebestes” (Mateus, 10, v-8)

 
 

Dias desses enquanto esperava ser chamado pelo caixa do banco escutei de dois homens o seguinte diálogo:

- Então, comprou a camionete? Indagou um deles.

- Sim, uma S-10 a diesel. Mas estou preocupado. Não está acontecendo o crescimento de arrecadação como eu previa. Por mais que me esforce,esclareceu o indagado.

- Conheço aquela área. É pedreira pura, já te disse. Lá, tu ganha dinheiro. A minha proposta continua de pé. Com o teu talento tu vai ganhar dinheiro. E trocar de carro todo ano, concluiu o indagador.

- E a franquia? E muito cara! Vou trabalhar só para as despesas e para pagar a franquia. Estou pensando no assunto, mas tenho medo.

- Em seis meses tu paga. Depois é só lucro. Te ajudo, vou lá duas vezes por mês. Faremos grandes campanhas. Vamos arrochar!

Nesse ponto da conversa fui chamado.

Esse diálogo sussurrado atrás de meus ouvidos, no silêncio do fim do expediente, não saiu mais de minha cabeça. E desde então me causa grande desconforto espiritual. Estou dividindo minhas inquietações com você.

Tratava-se de um diálogo de negócio entre dois pastores evangélicos. Um aliciando o outro para uma igreja poderosa, onde se precisa comprar franquia para abrir mais uma ‘loja’

O que incomoda é saber que a mercadoria desse ‘negócio’ é o Reino de Deus, a palavra e as promessas de Cristo, a salvação da alma, o gozo eterno. Ele, o Pai Eterno e o seu Filho são os produtos. Logo Ele, o Jesus que mandou: “dai de graça o que de graça receberdes” foi transformado em matéria de consumo a bom dinheiro.

Como podem fazer isto e esquecer o protesto revoltado de Jesus no templo? “ esta é a Casa de meu Pai é lugar de oração, vós a transformastes em covil de ladrões!”  Não foi contra esse tipo de comércio que o alemão Martim Lutero, filho de camponeses nascido em Esleben, lutou ao enfrentar a Igreja Católica na Idade Média?

O sacerdote agostiniano, que nunca desejou deixar a Igreja Católica, transformou-se num teólogo culto, inteligente, investigativo e perspicaz. E não encontrava embasamento, nos ensinamentos de Cristo, que alguém ganhasse os céus pagando, com o vil metal, por esse direito. 

A Igreja Católica, herdeira da fé cristã, fazia esse comércio com a venda das indulgências. Até com pagamento antecipado por futuros pecados. Era o comércio da fé vendendo o perdão e a misericórdia de Deus. Enriquecendo bispos, cardeais e papas através da espoliação dos que menos tinham. E do engodo aos que muito acumularam.

Foi contra essa blasfêmia que Martim Lutero lutou. E só após ser excomungado pela Igreja e expulso da Ordem dos Agostinianos, deu início ao seu novo ministério donde surgiu a Igreja Luterana, mãe de todas as igrejas evangélicas de hoje. As mesmas que, agora, foram transformadas em empresas multinacionais com a Teologia da Prosperidade onde quem dá mais recebe mais.

Se você der cem recebe por cem, se der mil recebe por mil. Essa é a nova ordem. Esqueceram quando Jesus Cristo “ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, senão apenas um bordão; nem pão, nem alforje, nem dinheiro no cinto; mas que fossem calçados de sandálias, e que não vestissem duas túnicas” (Marcos, 6:8-9). O mesmo Cristo que foi taxativo ao separar as coisas da terra das coisas de Deus: “Daí a Cesar o que é de Cesar, a Deus o que é de Deus”.

Osmar Silva é jornalista – sr.osmarsilva@gamail.com   

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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