Sábado, 7 de abril de 2012 - 09h50
- Você beliscou o bolo menino?
- Não mamãe, eu juro!
Estava jurando em falso. Havia beliscado sim. A parte de baixo do bolo havia ganhado vários beliscões durante o curto trajeto da minha casa até à casa da tia Rose. Do outro lado da rua. Houve um tempo, não muito distante, em que a Semana Santa era realmente toda santa. Nela, criança não apanhava, não era castigada. Podia até mentir que, no máximo, ganhava uma promessa de castigo.
- No sábado da aleluia nós acertaremos nossas contas.
E a gente sabia disso. Quer dizer, eu meus sete irmãos e incontáveis primos, primas e amigos. Só que na medida em que se aproximava o Sábado da Aleluia a gente ia maneirando e pedindo a Deus que eles esquecessem as travessuras, as mentiras, as nossas diabruras. Tanto que o vô Abdon não se cansava de sentenciar:
- Menino faz coisa que até o Diabo duvida!
Então a gente ia se cuidando porque, muitas vezes, a promessa se cumpria.
Madrugada de sexta para o sábado era movimentadíssima. Nós não dormíamos para ver as estrepulias dos adultos roubando galinhas, patos, papagaios e até bicho grande como porco e cabrito. De preferência os mais bonitos do terreiro. Os da estimação do dono. Ou da dona. Todos amigos e conhecidos convidados para o almoço do Sábado da Aleluia. Uma grande festa cheia de alegria. Ou para ajudar na montagem do Judas, construído sempre à imagem de alguém que não era agradável ao convívio social ou algum político corrupto e ladrão. E depois tinha que pendurá-lo num lugar bem à vista com a carta confessando todos os seus erros, pecados e crimes bem à mostra. Era o testamento do Judas. Depois disso, tinha que dormir um pouco e acordar em tempo para a malhação do Judas. Ocasião em que a comunidade batia tanto naquele enganador, traidor do povo e de Deus, que o coitado se acabava aos pedaços espalhados pelas ruas e praças. A vingança estava consumada. O povo, com a alma lavada.
Era toda santa a Semana Santa da minha infância. Os homens não trabalhavam e não bebiam. As mulheres faziam somente o essencial. E, lógico, muitos bolos, tortas, pudins, doces de chocolate. Chocolate feito em casa, diretamente das sementes de cacau que nós colhíamos. Quitutes e salgados de toda natureza. Tudo compartilhado com parentes e vizinhos. As crianças corriam pra lá e pra cá o tempo todo levando e trazendo delícias. Era impossível não mexer. À noite, a família toda se reunia para rezar as estações do sofrimento de Jesus Cristo. Cada dia numa casa diferente. Quando terminava todos se reuniam no terreiro para ouvir os relatos dos horrores que Cristo sofreu, derramando seu sangue para nos salvar. Não tinha luz elétrica, mas a fogueira, iluminando o rosto de cada um, mostrava o sentimento das crianças. Muitas choravam. Eu não gostava dessa parte. Sentia-me culpado não sei de que.
Na Semana Santa da minha infância, ela era toda dedicada ao Senhor. Encerrava-se com a procissão do Senhor Morto, o enterro de Cristo, na Sexta Feira da Paixão. Durante a semana, mercado, mercearia nada, absolutamente nada, nem farmácia se abriam. Compravam-se as coisas, em função de força maior, para salvar a vida, na casa do farmacêutico. Nunca na loja. Não se ouvia música profana. Somente hinos religiosos. Os rádios, só tocavam música clássica ou orquestrada. Os altos falantes tocavam dobrados e hinos pátrios. Todos comiam o que haviam juntado na semana anterior, a Semana Caçadeira. Quem não tinha rede ou tarrafa para pescar, comprava o peixe ou trocava dias de trabalho por peixe com o pescador. As carnes eram guardadas para o sábado e o domingo da aleluia. A bebida e a dança só depois da Missa do Galo, à meia noite. A partir daí, tudo era uma grande festa. E nela, na maioria das vezes, se esquecia dos castigos das crianças. Assim era a Semana Santa da minha infância lá no Genipapo, no sertão do Brasil. Tão diferente da de hoje, que só resta a Sexta Feira da Paixão. E a maioria aproveita para beber, dançar, vender e comprar, sem se sequer lembrar que dia é.
Osmar Silva
sr.osmarsilva@gmail.com
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