Quarta-feira, 20 de junho de 2012 - 06h09
Todo poeta padece de inutilidade.
Em calendas de antanho, o poeta não passava de uma figura louca mirando o mar, um lobo em desvairio tentando devorar as pernas da lua, a figura mórbida que causava medo e espanto ao morrer embriagado de byronismo suicida.
Os raios de sol já caiam fulminantes por sobre a copa das árvores da Praça Getúlio Vargas. Uma cidade chamada Porto Velho, nascida à beira de um caudaloso e barrento rio acabara de acordar para mais um dia, um mágico dia, por sinal.
E o indicativo claro dessa magia encontrava-se logo ali, no interior do Mercado Cultural. Um poeta em carne e osso, aboletado e acotovelado no Café com Arte, falando pelos cotovelos, os cabelos de milho soltos e oscilantes ao vento, rebeldes e cinqüentões como seus traços de beradeiro de meio século. Um fazedor de poesia ao raiar do dia!
Poetas são seres notívagos, diz o dicionário Aurélio discorrendo sobre o verbete. Em regra, são seres que devoram a noite e se embrenham na mata do sono durante o dia.
No Mercado Cultural, nenhum dos produtos ali expostos têm a participação do trabalho do poeta. Então que sentido teria o poeta estar por ali àquelas horas da manhã? Quem teria derrubado o poeta da cama? O que o teria levado tão cedo a gesticular com eloqüência e viva voz no centro antigo da cidade de porto? Quem teria feito o poeta transgredir as normas enviesadas de sua existência torta? Poeta e vampiros correm da luz do sol como o diabo corre da cruz.
Então, cruz, credo!, quem teria seqüestrado o poeta para ter com a manhã airosa que se descortinava naquele sábado luminoso?
Meus olhos, que haviam captado sua imagem apenas de canto de olho, deram vários passos atrás e voltaram-se ávidos para a figura inteira do poeta, entronado e espalhado numa das banquetas do Café com Arte, no interior do Mercado Cultural. Quando o vi por inteiro, a magia causadora do mistério tomou de assalto meus olhos e uma linda mulher abduziu as minhas pupilas boquiabertas e beradeira, fazendo-as reféns da sua coisa toda tão certa.
Os poetas na verdade não passam de capachos e serviçais das donas do mundo: as fêmeas feiticeiras e enfeitiçadas. O poeta Mado não seria exceção. Por isso ele estava ali cativo feito um escravo, indefeso como um menino frente a Deus, mas altivo como um cavaleiro cristão disposto a luta com dez mil mouros, eloqüente feito o sol falando para todos os quadrantes da Terra. Apaixonado como um adolescente vivendo a tempestade de emoções do primeiro amor.
A deusa tem lua e ana no seu nome batismal, exibe juventude e graça como presentes da natureza, conversa com inteligência e charme e submete qualquer mortal aos seus quereres com seu olhar penetrante e puro. Ela é a própria beleza que, por dádiva de Zeus, se fez mulher entre nós.
Havia eu desvendado, enfim, o segredo do Poeta.
Quando todos já tiverem mortos e só restar o hiato triunfal do silêncio, ainda assim caberá ao poeta se pronunciar, para que as ondas sonoras de sua fala sejam almas penadas trotando em desatino pelos corredores da eternidade. Em tendo conhecido Luana, o construtor de versos se apaixonou pelo Sol, em tendo conhecido Luana, para o poeta tudo terá valido a pena, se a alma não se apequena...
Antônio Serpa do Amaral Filho(Basinho)
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