Segunda-feira, 6 de julho de 2009 - 19h10
Como disse um amigo meu, ainda bem que televisão não tem cheiro, porque se tivesse o Brasil todo iria sentir a fragrância fétida que emanou do nosso arraial. Esse foi o São João mais imundo e fedorento de Porto Velho. Se o odor pudesse também ser transmitido aos telespectadores, a nação brasileira, por justo motivo e indecência das nossas autoridades executivas, torceria o nariz para o povo dessa nossa Rondônia terra de ninguém.
Investiram na ornamentação e se esqueceram da higienização. A moldura organizacional da brincadeira refletiu um pouco o tom fanfarrônico utilizado em discurso pelo chefe do executivo estadual, Ivo Cassol. A última versão do Arraial Flor do Maracujá foi sem dúvida a mais badalada e prestigiada pela imprensa televisiva local, com vários canais transmitindo ao vivo para todo território nacional e América Latina, mas foi também a mais fedorenta festa de São João de todos os tempos, a que mais relegou ao povo a desinteligência de chafurdar na pocilga, no meio da lama podre, como um bando de ronca e fuça. Não havia um só canto imune ao fluídos pútridos que infestavam os quadrantes do curral de Diamante Negro, cazumbá e catirina. Enquanto as imagens plásticas das nossas belas índias chegavam aos mais longínquos rincões dos prados brasileiros, a catinga se espalhava pelos quatro cantos do terreiro festivo como se fosse uma praga dos deuses. Era como se estivéssemos assistindo a uma bela ópera popular à margem de uma fossa negra.
Salta aos olhos a gritante contradição: temos duas modernas usinas hidrelétricas em construção, porém somos incapazes festejar nossos folguedos com um mínimo de dignidade olftativa e meio-ambiental. É mambembe nosso teatro administrativo. Lixo e podridão impuseram-se como binômio indissociável desse arrasta-pé. Tal era a intensidade do mau cheiro, que a folgança mais parecia um sarapatel azedo, mistura inédita de Baco, bacon, São João, Jeca Tatu e gambá. Enquanto o majestoso Gigante Sagrado mostrava ao público a grandeza de sua performance, o povo do arraial transitava em meio a fedentina, atolado nas poças enlameadas, alegre, risonho, livre e solto, como boiada desprovida de senso crítico quanto ao faro. Capricharam na divulgação e negligenciaram na decência. Valorizam a exportação de imagem e esconderam o lixo debaixo do tapete, como aquele assessor de Fernando Henrique Cardoso – o Ricúpero. Talvez por ser a derradeira armação do circo junino naquela área, uma vez que o presidente da Assembléia Legislativa, Neodi Carlos, já anunciou, inclusive na própria Flor do Maracujá, que vai o usar o terreno para construir a nova sede do parlamento estadual, é que os organizadores foram relapsos no item salubridade olftativa. Está certo que somos terceiro-mundistas, mas não precisavam exagerar. O Flor do Maracujá deste ano espelhava claramente a índole da maioria dos nossos políticos: são excelentes na montagem da fachada teatral, mas são péssimos na feitura de texto que contenha um mínimo de essência. Pensam eles que são inteligentes e que todos do povo são tolos e insensíveis. Ninguém nega o êxito da superprodução da festança, mas tudo isso vem abaixo e vira peça de cenário pra inglês ver se feito à custa do tratamento de baixo nível dispensado ao destinatário maior da fuzaca: o povo rondoniense.
No mesmo diapasão crítico deve ser analisada a construção das hidrelétricas: se forem construídas apenas para dar suporte à produção de riqueza às economias do sul e do sudeste, experimentaremos o maior engodo de toda nossa história. Analogicamente, temos que o governo do estado priorizou a produção cênica e se esqueceu da dignidade ambiental enquanto que o governo federal investe na produção energética e se esquece da dignidade social, relegando a Porto Velho a condição de Flor do Maracujá em grandes proporções, isto é, com muito peru com farofa na construção civil, na frota de veículos e na especulação imobiliária e pouco caldo no angu nos investimentos sociais, educacionais, ambientais e culturais. Em suma: uma trapaça urdida à unanimidade dos detentores do poder - de esquerda, centro e direita.
Durante a pândega, eclodiam em meio às barracas de comidas típicas, armações recreativas e barracões de jogos e diversão as inúmeras vertentes aromáticas produzidas pelo feitio dos manjares da roça. Sendo Rondônia a maior rosa antropofágica do norte, e sendo ainda pousada de todas as tribos tupiniquins carentes de emprego, perspectiva de vida e de um lugar ao sol, a comidagem do nosso arraial constituiu-se numa aquarela brasileira, cujas matizes abrigam indiscriminadamente a comida dos negros, pardos, mestiços, índios, amarelos, brancos, cafuzos e mamelucos. Agora imagine a fusão aromática do cheiro do vatapá, acarajé, pato no tucupi e vômito. Ou tudo isso junto mais picanha na chapa, mugunzá, milho assado e lama podre. Ou, ainda, a miscelânea do cheiro de pipoca com manteiga, galinha picante, suco de laranja, tutu à mineira, maniçoba e carniça. É de embrulhar o estômago, mas é verdade. A fedentina não deu sossego à diversidade culinária que perfazia a atmosfera odorífera do tradicional folguedo.
Bela na foto e na fita, sem dúvida, mas ecologicamente incorreta, essa foi a mais catinguenta Flor do Maracujá que já se viu até hoje na cidade do porto.
Fonte: Antônio Serpa do Amaral Filho
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