Domingo, 8 de junho de 2008 - 07h49
O Gigante Sagrado, sob as toadas do Amo Sílvio Santos, levou seu pajé e seus bravos guerreiros ao Arraial da Câmara Municipal. Lá, ao som do batuque e com a naturalidade típica da sabedoria popular, o folguedo escreveu no chão do terreiro uma eloqüente catilinária cultural movida a folkcomunicação. Perderam a aula alguns analfabetos políticos que compõem a nossa democracia representativa.
Lembrei, imediatamente, da pajelança mameluca ocorrida nos Estados Unidos da América do Norte há alguns anos, quando assim registrei:
"A fuzaca cabocla aterrissou de mala e cuia em Nova Iorque. Todo mundo viu pela TV. Na verdade, foi só um ensaio geral. O mega-show que vai fazer a Quinta Avenida delirar ainda está por vir. A pajelança de Arlindo Júnior e David Assaiague invadiu a sofisticada metrópole americana e não só surpreendeu os brazilianistas, como deixou boquiabertos os rebentos do Tio Sam.
Os bois-bumbás Caprichoso e Garantido, depois de percorrerem uma longa trajetória que começou há muitos anos nos currais de chão batido, em Parintins, passando depois pelos melhores palcos do eixo Rio-São Paulo e Europa, finalmente conseguiram se apresentar na Meca do capitalismo ocidental, apetrechados com seus balangandans tupiniquins, a compassada toada dos Maués e o charme discreto das cunhãs, com o firme propósito de mostrar ao mundo que a velha máxima da dialética se impõe a qualquer contexto histórico: quem domina também é dominado. Valeu para os romanos, com sua política expansionista em relação à Grécia sendo irresistivelmente seduzidos pelo helenismo -, vale hoje em dia para o império americano em relação aos povos da floresta, submetidos ao capitalismo selvagem terceiro-mundista, fruto da política hegemônica dos Estados Unidos na América Latina.
O boi-bumbá que ganhou o bredo nas ruas novaiorquinas, todavia, não é originalmente o mesmo boi encenado por autênticos atores populares cujo desempenho na execução do auto embeveciam e encantavam tanto os adultos quanto a meninada de trinta anos atrás, fazendo apelos tragi-cômicos na encenação daquela peça mambembe. Para se tornar um fenômeno de massa e faturar alto no mercado fonográfico e cênico do show-business, os famas de Parintins lançaram mão de alguns recursos dantes nunca cogitados no teatro espontâneo e popular dos antigos bois de Catirina, Cazumbá e Pai Francisco. O boi de Parintins teve que receber o impulso da iniciativa privada e da máquina turística do Estado do Amazonas. Além disso, aquilo que foi proposital e racionalmente sugerido pelo modernismo de Mário de Andrade como elemento catalisador da diversidade circundante, se alimentando e a tudo liquidificando para provocar a sui generis síntese universal do que viria a ser o novo o antropofagismo à la Geléia Geral foi por estas bandas intuitivamente colocado em prática pela invencionice ribeirinha, na ânsia de conceber o inédito. Para conquistar o direito de se mostrar na cidade que tanto amou, reverenciou e até homenageou o maestro Antônio Carlos Jobim, Garantido e Caprichoso tiveram que superar a miopia que os fazia enxergar somente até o limite da cerca de seus antigos currais. Deixaram o conservadorismo de lado e aglutinaram elementos da musicalidade praticada nas metrópoles à estrutura rítmico-melódica, revolucionaram a linguagem cênica e, com uma rica e cativante coreografia, buscaram uma interação público-artista até então nunca praticada. A nova coreografia, aliás, nos libertou das amarras do remelexo imposto pelo domínio baiano do axé-music. Com ela, proclamamos nosso independence day. É claro que numa apreciação mais radical do mérito dessas mudanças percebe-se que, paralelamente às conquistas alcançadas, a nova maneira de brincar e fazer boi-bumbá trouxe inúmeras e lamentáveis perdas à forma e ao conteúdo do auto, causados pelo antropofagismo cultural caboclo, pois é no auto que o Brasil mostra sua cara e se desnuda a pretexto de uma folia pagã. Bem antes de Augusto Boal se dar conta, o teatro do oprimido já era uma talentosa vertente da dramaturgia de saltimbancos confeccionada pelo mameluco para satirizar o cristianismo, a xucrice de nossas elites e a historiografia oficialesca e, de resto, toda superestrutura da tenda circense brasileira, da cana-de-açúcar ao capitalismo digital.
Na teatralização do velho boi, o objetivo maior dos brincantes era divertir pequenas platéias acotoveladas nos confins da Amazônia. A pândega de então, movida a espontaneidade e ingenuidade, tão-somente norteada pelo princípio do prazer e escárnio, não decodificara as conotações e denotações da sociedade de consumo, suas leis, lógica e selvas. O boi era pré-capitalista, anárquico e feliz, como convém ao não-alinhamento de quem se quer livre. Tudo era muito simples e não havia a malícia da produção, do faturamento, nem do espaço propagandístico, nem da mídia, e muito menos da conquista de mercados. Apesar disso, o fato é que ver o boi-bumbá em Wall Street significa muito mais que uma aparente apresentação do nosso exótico folclore em plagas norte-americanas. Soa como um revide à política mass mídia praticada pelo neo-colonialismo ianque em terras de Pindorama. O grande desafio é passar uma rasteira nos estereótipos forjados pela máquina publicitária do turismo como a Vitória-Régia, o Teatro Amazonas, a Cobra Grande, a Pororoca e tantos outros e proporcionar ao mundo a oportunidade de conhecer e participar da pajelança estética, musical, folclórica e coreográfica que, em suma, é a exuberante folia do bumbá. A inquieta, extravagante e ávida Nova Iorque foi escolhida de propósito para servir de passarela à quizomba dos que falam em nome de uma região cansada de ser conhecida apenas por seu exotismo paisagístico. A mestiçagem não quer mais apito. Quer mostrar ao mundo todo poder de sua veia invencioneira, seu espírito macunaimesco, sua capacidade de reagir dialeticamente à dominação e sua vontade de co-participar da globalização cultural neste pulsante milênio".
Do quintal do parlamento municipal para o mundo, soam os tambores que um dia embalaram as noites mágicas de Santa Bárbara e Samborucu, descrevendo numa ária popularesca a força da antropofagia beradeira de Catirina e Cazumbá.
Fonte: Antônio Serpa do Amaral Filho
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