Quinta-feira, 19 de setembro de 2019 - 08h43
A Caçambada Cutuba é culminância! - disse Zola Xavier. A Caçambada foi
uma decepção! - decretou Zekatraca. É esse o grande feito: desenterrar
interrogações para que outros explorem a história por vários ângulos. Se a
Caçambada Cutuba deixou tantas interrogações, cumpriu sua finalidade! -
asseverou Luciana Oliveira.
Elogiada por uns e contestada por outros, a película produzida por Zola
Xavier levantou polêmicas! E isso é ótimo, porque polemizar o tema é mesmo um
dos objetivos do trabalho. A polêmica é bem-vinda porque sacode a alma, e nela
reside o vulcão da dúvida que leva ao questionamento e à pesquisa mais
aprofundada! É lamentável, claro, a falta do depoimento do jornalista Sílvio
Santos, último a descer da caçamba, no centro da cidade. Mas muitas foram as
dificuldades; o coveiro do Cemitério dos Inocentes ficou com medo, a mãe de um
vereador não quis gravar entrevista e até Flodoaldo Pontes Pinto Filho
amarelou!
No conjunto da obra, Caçambada Cutuba é uma expressiva metáfora, e não
um relato cartesiano, engessado numa narrativa certinha, alinhavada ponto a
ponto, nos mínimos detalhes, como uma colcha de retalhos bem cosida pelas
artesãs nordestinas.
Com o Teatro Guaporé super lotado, dia 13, o filme Caçambada Cutuba
finalmente foi exibido para a comunidade e também para os estudantes da
Universidade Federal, ontem. Tinha gente vazando pela ladrão lá no teatro!
Calcula-se um público em torno de 650 pessoas ocupando cada centímetro do
recinto teatral.
Esta é uma daquelas histórias esquecidas à beira da estrada da vida, um
causo que ficou tão desbotado na memória do povo que acabou assumindo o status
de lenda, conversa fiada de gente velha proseando na sala ou potoca de contador
de estória em beira de calçada em noite de lua cheia. Só que não! Na verdade, o
caso é um capítulo da página política que teve origem lá nos velhos
tempos do Território Federal do Guaporé e que desaguou no último embate entre
Cutubas e Peles-Curtas nos idos empoeirados do Território Federal de Rondônia!
Tanto quanto a Paixão, a Política exerce um fascínio incomensurável sobre a
alma do homem e da mulher, levando o espírito das pessoas a se movimentar
febrilmente nos limites mais extremados das relações humanas, ali onde o
amor e o ódio se encontram, separados apenas por um fio de cabelo, despertando
às vezes a animalidade latente escondida há um bom tempo na pele de cordeiro de
um dos cônjuge da relação amorosa, cujo epicentro, nesse caso da Política, é
mesmo a paixão pelo exercício do Poder!
Mais de meio século nos separam dos fatos investigados! Remontando o
cenário dos autos da novela da vida real, temos a figura do maior cacique
político regional, o Coronel Aluízio Ferreira, que detinha o mandato de
Deputado Federal, maior patente do poder político do então Território Federal,
conquistado pela terceira vez, quatro anos antes, em 1958. O aluizismo tivera
em alta, tinha imensa sede de poder e comandava o processo político,
administrativo e eleitoral à moda do velho coronelismo, ou seja, com mão de
ferro, uso da máquina administrativa e voto de cabresto. Do outro lado da
disputa, perfilava-se o grupo de oposição, que tinha na casa de Marise Castiel,
no bairro Caiari, seu Quartel-Geral. A esquerda bossa-nova da direita, a UDN,
democratas, socialistas, comunistas, perseguidos, desvalidos, indignados e
sonhadores perfaziam as hostes dos peles-curtas. O clima era tenso no Brasil
todo! Em nível nacional, o bruxo Golbery do Couto e Silva já tramava a
derrubada de Jango. Na província Guaporé, a centro-direita de PTB/PSD e PTN ia
ao centro do ringue para um confronto com a centro-esquerda de PSP e UDN.
Foram várias Caçambadas: em 61, com a renúncia de Jânio Quadros, tivemos
uma Caçambada Milico-Constitucional; os milicos atropelaram a Carta Magna de 46
e impediram a posse de João Goulart como presidente da República.
Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, colocou-se em pé de guerra, pôs
em marcha a Caçambada da Legalidade, tomando a rádio Guaíba, armando o povo e
realizando a Campanha da Legalidade, nos dias posteriores à renúncia de Jânio.
Essa resistência desandou um pouco o caldo da Caçambada Milico-Constituicional.
O Conservadorismo também engendrou sua Caçambada: rasgou a Constituição e a
toque de caixa criou o regime Parlamentarista. Jango assumiu o posto, mas já
numa República Parlamentarista feita às presas para entregar o poder executivo
federal ao conservador Tancredo Neves. Preposto de John Kennedy, Lincoln
Gordon, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, que esteve no centro das
operações norte-americanas que apoiaram o golpe de Estado de 1964, desceu aqui
no aeroporto do Caiari em 1962, fazendo pressão e vendendo o peixe da Aliança
Para o Progresso! Uma marquetinguetagem do Bloco Capitalista em plena Guerra
Fria.
Além desse
alinhamento do conservadorismo, do macro para o micro contexto: pressão da
Guerra Fria contra as Frentes Populares, Caçambada Milico-Constitucional de 61,
a Caçambada do forjamento do regime Parlamentarista, a candidatura de Renato
Medeiros enfrentava o Militarismo Orgânico. O oligarca Aluízio Ferreira já era
Coronel e o seu apaniguado político, Ênio dos Santos Pinheiro, também era
Coronel. Esse fogo todo na panela de pressão é que levou os Cutubas à decisão
de endurecer com a Frente Popular liderada pelo médico Renato Medeiros, sendo
portanto a culminância de todo esse processo efervescente, ideologicamente
afinado com o desdobramento que viria em seguida, que foi a tomada do poder
pelo militares, com o Golpe de 1964.
Focando de perto, a coisa, foi mais ou menos assim: estávamos numa noite
calorenta de 26 de setembro de 1962, na área suburbana onde funcionou a
Rondasa, na avenida Lauro Sodré, no bairro do Olaria, quase defronte ao
prostíbulo da simpática Delícia. O local era muito mal iluminado e nas laterais
da rua havia enormes valas que serviam de escoadouro para as chuvas que começam
no final de setembro. No clima geral da disputa, os ânimos estavam exaltados. O
getulismo, que dera combustível ao cutubismo e regionalmente consolidara o
poder nas mãos de Aluízio Ferreira por muitos anos, perdera força ainda em 1954
com o suicídio do caudilho de São Borjas, Getúlio Vargas. Por outro lado, o
carisma de Renato Medeiro empolgava as massas, criava um clima de muita euforia
junto aos segmentos de baixa renda e motivava a participação das multidões nos
comícios. Segundo apurou Zolar, cerca de 4 mil pessoas participavam de um
grande comício pele-curta. No palanque, Renato Medeiros, Carmênio da Taba do
Cacique, Marise Castiel, Jaime Castiel, Anízio Gorayeb, e possivelmente
Dionísio Xavier e Antônio Serpa do Amaral, ex-secretário do PSP.
De repente, vindo em velocidade considerável, da cidade sentido
aeroporto, uma caçamba da prefeitura municipal, pilotada por um cidadão de nome
Wilson, identificado pelo jornal Alto Madeira da época como funcionário
municipal (José Saleh Moreb, cutuba, era o prefeito, Milton Lima, tb cutuba,
era o governador), avançou por sobre a multidão, atropelando todo mundo,
estraçalhando corpos, quebrando ossos, vitimando indistintamente homens,
mulheres, jovens e velhos, e criando um coletivo clima de terror jamais vistos
por estes pagos. Estava acontecendo o maior atentado terrorista da história
política de Rondônia. O caos e o medo tomaram conta dos peles-curtas. Da
tragédia emergiam choro, lágrimas, lamentos, gritos de dor dilacerante e desespero,
seguidos por pedidos de socorro. Havia um cheiro de morte no ar, em meio ao
corre-corre geral. As vítimas chegavam aos montes no Hospital São José Na
Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, pesquisou Zola, tem edições do jornal
Alto Madeira registrando o rastro de sangue deixado pelo terror: um morto
oficial e dezenas de feridos. Fora os mortos não-oficiais. No anúncio da missa
de sétimo dia, publicado no mesmo Alto Madeira, o texto convida para o ato
religioso em prol da alma daqueles que tragicamente desapareceram no comício de
1962. Consta, também, uma carta de Anízio Gorayeb, ex-vereador e jornalista,
pedindo explicações sobre o atentado ao todo-poderoso Aluízio Ferreira. Luiz
Lessa, antes de morrer, afirmou que o objetivo do atentado era matar o líder
Renato Medeiros, que saiu ileso do episódio. Os peles-curtas encerraram a
campanha com uma grande marcha pela Avenida Sete de Setembro, levando Renato
Medeiros no ombro, e ganharam a eleição. Wadih Darwich foi nomeado governador.
Mas a alegria durou pouco, porque, dois anos depois, artefatos mais mortíferos
e convincentes que caçambas municipais, os tanques urutus do exército
brasileiro, marchariam por sobre a democracia e encerrariam o mais acalorado,
apaixonante e emocional embate da política Guaporé: a peleja entre os cutubas e
peles-curtas. O status quo versus a rapa do tacho.
Por ironia do destino, talvez para atormentar a amnésia dos Guaporés,
está escrito em latim na capa do Processo Penal que apurou o episódio da
Caçambada Cutuba: o processo é do tipo Ad Perpetuam Rei Menoriam,
isto é, para a perpétua lembrança do fato.
No miúdo agora: O advogado foi o Dr. Fouad Darwich Zacharias, causídico
que arrolou e requereu a inquirição dos guardas territoriais José Faustino de
Oliveira, José Rodrigues Maciel e Ladislau Nunes de Araújo, como testemunhas.
Era a reação Pele-Curta ao atentado. Fórum: Ruy Barbosa. Escrivão: Durval
Gadelha; Promotor: Dr. Hélio Fonseca. Juiz: Dr. Joel Quaresma de Moura.
Tiro o chapéu para as interpretações de Luciana Oliveira e Zola Xavier.
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