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Serpa do Amaral

CHICOTE DE CRISTO PARA OS MERCADORES DA FÉ!


A TV Globo mostrou: motel em cima, igreja evangélica embaixo, isto é, num piso inferior de um prédio em São Paulo. O profano e o sagrado na mesma unidade, convivendo lado a lado, ou melhor, em cima do outro. Cara e coroa da moeda da vida. O “Céu e o “Inferno”, quem diria, dividem o mesmo condomínio. Um comercializa o sexo. O outro transaciona a fé.

O capitalismo ainda é um sistema revolucionário com certo de verniz de anarquismo e cinismo encerando sua cara-de-pau. É revolucionário porque ainda tem a capacidade de ser subversivo. Transformar a fé num simples produto de mercado é um exemplo. Enquanto seu histórico antagônico, o socialismo marxista, bradou ao mundo que a religião é ópio do povo, o liberalismo burguês preferiu dar os braços ao também revolucionário protestantismo, que já tinha transacionado com o absolutismo de Henrique Oitavo, nas bretanhas de antanho. O Brasil nasceu de um empreendimento capitalista, sendo o navegador-corretor de imóveis Pedro Álvares Cabral nosso primeiro executivo e preposto dos investimentos imobiliários da Coroa, em terras de Pindorama. Com ele começou a Zorra Total. Eis o que relata a carta de Caminha, comentando a primeira missa, rezada por Frei Henrique, de Coimbra: “E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles (os índios) se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado: e então tornaram-se a assentar como nós... e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção."

Portanto, além de sermos filhos dos brancos europeus, do negro e do índio, somos rebentos também do capitalismo mercantilista e do cristianismo. Um veio para tomar posse da terra em nome do Venturoso, o outro para arrebanhar as almas puras para o reino de Deus, visto que não havia pecado do lado, debaixo do equador. Um fez por merecer o outro: enquanto a empresa mercantilista dizimava os índios e explorava os negros, a igreja cristã fazia vistas grossas e procurava arrebanhar almas para suas posses. Quatrocentos anos depois, o Papa João Paulo II pediu perdão aos negros e índios pela cumplicidade imoral da igreja católica nessa página histórica.

A necessidade de aquisição de determinado serviço ou bem gera a demanda, que gera o mercado, que aquece a produção. O capital impõe sua ideologia, subverte os valores da família, os costumes, confunde as vanguardas, a esquerda, o centro e a direita, produz milhões de miseráveis, e deixa a todos basbaques. Daí surge a demanda de sentido da vida, de espiritualização do homem. Entram em cena os empresários da especulação metafísica. A utilização da fé como artigo de exploração comercial alcança, hoje em dia, a raias do absurdo. Igrejas, principalmente evangélicas, abrem e fecham templos da noite pro dia, como se fossem lojas comerciais que entram e saem do mercado. Pastores são treinados dentro dos parâmetros de um empreendimento capitalista moderno.

A gente passa num local e vê uma recém-inaugurada igreja. Um mês depois, a igreja já fechou, e já abriu outra de diferente congregação, que também vai durar pouco. Líderes religiosos empregam sistemáticas e estratégias capitalistas para montar, explorar e manter seus templos funcionando e engordando as contas bancárias de seus líderes.

Com a crise econômica e moral em que vive a sociedade de massa, os descamisados, desvalidos, desesperançados e endividados são alvos fáceis dos mercantilistas da fé. O Estado se mantém neutro e deixa essa gente à mercê das empresas da crença. Na televisão, eles vendem, na Igreja Universal (dentre outras), água do Rio Jordão, restos de panos usados por discípulos de Jesus, resíduos das sandálias do Nazareno e areia do Monte da Oliveiras, onde o Nazareno teria feito o famoso sermão das montanhas. Vários programas, exibidos na mesma raia de horário, prometem dar fim a qualquer problema humano: econômico, sentimental, físico, moral, sexual, psicológico etc.

Em geral o protestantismo nega o espiritismo e umbandismo, mas vemos igrejas evangélicas chamando, pela televisão, os crentes para participarem do "Ritual do Descarrego", do “Ritual do Desencosto”, onde são feitos passes para "expulsar" espíritos que estão incorporados no corpo do crente.  Tudo à custa de um bom cachê para os “exorcistas do protestantismo”.

O festival de mercantilização da fé dá nojo de ver. É um caso de polícia em que o Estado, à guarda de preceitos constitucionais, se mantém inerte feito uma pedra, enquanto a mercadagem da crença ataca milhões de incautos por esse país afora, faturando milhares de reais que vão engordar as contas dos “pastores das ovelhas do Criador”. E o pior é que tem muita gente assistindo o vilipêndio da fé por esses mercadores da fé, e permanece calado.

Pastores evangélicos estão presos e condenados nos Estados Unidos, pegos transportando milhares de dólares, e eu não vejo dos crentes uma crítica sobre esse fato. Pelo contrário, algumas igrejas chegam a atacar o governo dos Estados Unidos, acusando-o fanaticamente de ser contra os pastores de Deus. As malas cheias de dinheiro e a sentença da Justiça norte-americana são provas incontestes do cometimento do ilícito penal.

Nem todos agem assim, é verdade. Algumas igrejas evangélicas permanecem íntegras e muito longe desse mercantilismo desavergonhado. A igreja Nova Jerusalém, do bairro Arigolândia, é uma delas. Mas são minorias, essas entidades religiosas que primam pela dignidade do exercício da fé.

A maioria das igrejas evangélicas de Porto Velho pratica o mercantilismo da fé, o assalto aos bolsos da gente pobre que freqüenta esses templos.  Atacando também à classe média, tem pastor pedindo mil reais de cada crente-empresário, para que suas preces sejam atendidas e Deus venha a abençoar seus negócios.

A maioria dessas igrejas alimenta uma casta de dirigentes que enriquecem de uma hora pra outra com o dinheiro fácil da exploração dos homens e mulheres que crêem.

Se no passado o cristianismo cometeu o erro de vender indulgências aos senhores feudais, porque não as poderias vender aos servos, vez que estes eram apenas serviçais sem poder aquisitivo no feudalismo, agora vendem esperança de salvação aos trabalhadores, sugando-lhes com tática e chantagem cruéis seus míseros vinténs ganhos com muito suor, à custa da exploração do trabalho pelo capital. Atacam a classe média arrancando-lhe muito dinheiro com pressão psicológica e drama emocional.

Isso sem falar do discurso de fé entoado dentro dessas igrejas. Esse, pela sua importância no âmbito da vivência da fé, merece um texto especial e abordagem mais aprofundada. Todavia, pode-se adiantar que o fanatismo irracional, a interpretação sectária e visão alienada do mundo marcam a tônica dessas pregações nos templos que mercadejam a crença humana. Só mesmo o chicote de Cristo pode dar um basta aos mercadores da fé!

Fonte: Antônio Serpa do Amaral Filho

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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