Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Serpa do Amaral

Eleições revelam o popularismo garçônico


Por Antônio Serpa do Amaral Filho

Baixada a poeira da corrida pelos votos no primeiro turno, dois fenômenos políticos foram revelados na última empreitada democrática e por isso merecem uma pincelada de análise, ainda que muito limitada: com os votos dados a Lindomar Garçon venceu o popularismo. Com a falta de votos de Fátima Cleide a antipopularidade petista mostrou sua cara, e só Carolina não viu.

Popularismo, nobre leitor, não é exatamente populismo, mas traveste-se de sua versão mais rasteira e simplificada. Os papas do populismo tupiniquim – Getúlio Dorneles Vargas e Jânio da Silva Quadros – que o digam. Um suicidou-se e o outro pediu pra ir ao banheiro das forças ocultas e nunca mais voltou, mas ambos eram mestres na arte do encantamento das massas – sempre encefálicas, claro.

Para exibir uma performance essencialmente populista o candidato do PV, Lindomar Garçon, necessitaria ter pelo menos cem vezes mais a eloqüência que não tem, duzentas vezes mais o carisma que não tem, trezentas vezes mais a liderança que não tem, quinhentas vezes mais a visão política que não tem e mil vez mais o fogo messiânico que também não possui. Garçon faz teatralmente um tipo popularesco, agrada às massas porque é simplório na sua comunicabilidade, superficial na análise da realidade e bonachão como um palhaço de circo. Por isso, no palco da arte de administrar os interesses do Estado, seu desempenho político chega a ser apenas a borra do capuccino populista original servido com requinte nos 30 e na década de 60 pelo janismo do varre, varre, vassourinha e acaba a bandalheira. Garçon vai dar muito trabalho na peleja com Mauro Nazif, sem dúvida, mas deverá sucumbir por falta de combustível e sustentabilidade num cenário de segundo turno, onde muito provavelmente deverá estar acompanhado de Mariana Carvalho e Mário Português.

Sim, mas cá entre nós, de onde veio a tal da anti-popularidade petista, uma das novidades dessa primeira fase do ranking eleitoral? A resposta é de um óbvio ululante: das ações partidárias e práticas administrativas dos próprios integrantes do Partido dos Trabalhadores em Porto Velho, com destaque para o prefeito Roberto Sobrinho. A chamada nação vermelho, vermelhaço, vermelhão se despedaçou em estilhaços feito o Muro de Berlim, que foi lançado ao solo pacto por força da onda avassaladora da Glasnost e da Perestroika. O encantamento da estrela vermelha cedeu lugar à frustração, à esperança se contrapôs o desencanto, sendo a confiança substituída pela incredulidade e a eficiência pela incompetência. Batendo tudo isso no liquidificador da crítica social, ficou no consciente e inconsciente do porto-velhense uma vontade enorme de vota contra o PT, emergindo desse bojo o anti-petismo, cujo ícone maior vem a ser o prefeito Roberto Sobrinho. É claro que o líder petista fez tecno-administrativamente uma grande gestão, alcançando metas até então nunca atingidas pelos seus antecessores; obras por sinal muito mal divulgadas. A administração Roberto Sobrinho chegou a ser até premiada por instituições independentes. Mas a imagem social que ficou é que fez relativamente pouco se comparado ao que deveria fazer e ao volume de dinheiro disponibilizado para tanto. Nunca, desde o Major Fernando Guapindaia de Souza Brejense, um prefeito teve tanto dinheiro para investir no seu projeto de governo. Em que pese a justa e necessária presunção de honestidade e inocência, Sobrinho tornou-se suspeito aos olhos da comunidade municipal ao se fazer empresário prestador de serviço durante sua gestão. Ao conduzir egocentricamente e com mão de ferro o processo sucessório interno do Partido dos Trabalhadores, Sobrinho deixou vir à tona sua veia autoritária e arrogante. Imaginando ser um Lula Guaporé, capaz de eleger até um poste, levou o partido a uma briga de foice, tendo Fátima Cleide que socar duro em Miriam Saldanha e Cláudio Carvalho para sagrar-se candidata, confronto que fez o PT sangrar e se espatifar internamente. Sem tempo para cicatrizar as profundas feridas abertas, o partido caminhou trôpego, cambaleante, fraco, sem entusiasmo e sem força moral para angariar o voto de confiança do eleitor. Nesse imbróglio, muita gente deixou de votar em Fátima Cleide não especificamente por ela ou em razão dela, mas por ser contra e desconfiar do PT. No bolo da aversão petista, o julgamento do mensalão entrou apenas com os confetes, a massa principal foi feita aqui mesmo, em Porto Velho. Nasceu, então, o eleitor anti-PT. Para esse tipo de eleitor o símbolo maior da incompetência petista tomou forma nas obras inacabadas dos viadutos da BR, projetos que deveriam ter sido um sucesso e não foram, que deveriam ser um exemplo de competência e não foram, estruturas que deveriam servir à população da capital e não serviram. No Mercado Cultural, onde chove mais dentro do que fora, como disse o Alexandre Ronald, os quatro melhores projetos artísticos, Fina Flor do Samba, Seresta Cultural, Roda de Samba do Beto Cézar e Jambera, não foram concebidos pelos petistas. Deveriam ter sido, mas não foram. Assim também foi a candidatura de Fátima Cleide, que tem todas as credenciais para ser uma excelente prefeita: deveria ter sido um grande sucesso nessa jornada política; deveria, mas não foi, vítima da antipatia engendrada por sua própria agremiação partidária. O difícil não é o Príncipe chegar ao poder, mas ter sabedoria para mantê-lo.

No segundo turno, o popularismo subirá ao ringue para enfrentar Mauro Nazif, um boxeador que tem a língua um pouco presa, mas que, por saber socar duro, poderá levar Lindomar Garçon à lona.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Diálogos insanos da pandemia

Diálogos insanos da pandemia

No infortúnio da solidão atroz, o jeito é quedar-se nu com a mão no bolso, olhando para as impassíveis paredes que miram, espiam a gente até de rabo

Um dia da caça, outro dos “povos novos”, de Darcy Ribeiro

Um dia da caça, outro dos “povos novos”, de Darcy Ribeiro

Num primeiro voo de radiofusão para além das plagas amazônidas, a Música Popular de Rondônia começou a ser mostrada na Rádio BBmusic, da cidade Búzi

As lágrimas internacionais que choraram a morte do poeta

As lágrimas internacionais que choraram a morte do poeta

A democracia voltou a ser ameaçada no país cujo nome é uma homenagem a Símon Bolívar, o Libertador das Américas. Com essa última quartelada, já são

 Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Apesar do vazio cultural, da perda irreparável para o humanismo e para a criatividade brasileira e do profundo incômodo emocional provocado pela par

Gente de Opinião Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)