Por Antônio Serpa do Amaral Filho
Consta nos anais da lenda que ao fundar uma escola de samba Cartola escolheu as cores verde e rosa e, para quem dizia que as cores não combinavam, ele respondia: “Ora, o verde representa a esperança, o rosa representa o amor, como pode o amor não combinar com a esperança?” Sete músicos rondonienses mostraram que essa combinação é perfeitamente possível. O samba e a poesia de Agenor de Oliveira, o mestre Cartola, tomou conta do centro histórico de Porto Velho, na noite de ontem, no show Eternamente Cartola, apresentado no Mercado Cultural com o patrocínio da Fundação Cultural Iaripuna. O presidente Tatá e vários outros secretários da administração petista prestigiaram o evento. Heitor Almeida, artista plástico e percussionista, comandou com maestria o time de bambas que deu sustentação à mostra do rico repertório de um dos maiores sambista brasileiros de todos os tempos. Morador de morro e fundador da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, Cartola é adorado e cantado em todo o território nacional. Rondônia, agora, resolveu mostrar que aqui também vive, no espírito dos nossos músicos, a poética encantadora do grande compositor.
O público adorou e curtiu com reverência o desfolhar do buquê de notas musicais em homenagem à Cartola, uma ignorância iluminada, verdadeiro espírito de luz que veio a terra dizer que as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti. No tamborim, repicando seu instrumento em síncopes sutis e bem colocadas, o fotógrafo e percussionista Beto Ramos era só felicidade. Enquanto Heitor Almeida servia ao público as pérolas do genial compositor de O Mundo é um Moinho, Ênio Melo colacionava acordes requintados ao pulsar rítmico da seresta que se desenvolvia plangente, na calçada, defronte à Fênix Beradeira, tendo o busto de Getúlio Vargas, o público e o Bar do Zizi por testemunhas. E que ninguém se engane não porque o cavaquinho usado pelo maestro Ney Silva lhe foi presenteado por Paulinho da Viola, que, quando vivo o compositor do morro da Mangueira, rogou bênçãos ao companheiro de Dona Zica e outorgou-lhe comenda equivalente ao título de Príncipe do Real Segredo da música popular brasileira. O discreto sopro em piston de Reinaldo temperou o arranjo do espetáculo exatamente como manda o figurino: com sensibilidade e calor. Assim, Eternamente Cartola tinha tudo para dá certo, e deu. O amor e a esperança falaram aos corações no Centro Histórico de Porto Velho, e a cidade tirou o chapéu para o Mestre Cartola.
Duas participações especiais foram destaques no show: Alcirea Tabosa, dona de uma voz jazzística e muito suingue nas veias, e o seresteiro Caté Casara, especialmente trasladado de Guajará-Mirim, sua terra natal, para participar do tributo à Cartola. Todas as cenas do espetáculo foram gravadas pelo produtor da Caçambada Cutuba, jornalista Zola Xavier, que pretende produzir um videoclipe da apresentação. Seu Mário Pereira e Dona Nadir, mais de meio século de casados, assistiam maravilhados seu filho, Heitor Almeida, 50 anos, estreando no palco como cantor, cantando a obra do sambista carioca, cujas peças musicais já percorreram o Mocambo, o Caiari, Olaria, Embratel, Quilômetro Um, Areal e Pedrinhas, no violão de Jorge Andrade, Miguel Amaral, Jesuá (Bubu) e Norman Johnson, Ernesto e Ênio Melo, mostrando que de fato o cidadão Agenor de Oliveira veio ao mundo para ser Eternamente Cartola. A alma do poeta iluminou o Centro Histórico da capital.
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)