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Gente de Opinião

Serpa do Amaral

FÉ: O FIO DA NAVALHA


Lendo a obra "Elias", de Charles Swindoll, percebo, como aprendiz da espiritualidade, o quanto é difícil trilhar o caminho da fé.
O Profeta Elias surge na história do povo hebreu em meio a dinastias que tinham em assassinos frios e sanguinolentos seus representantes. Onri, líder de uma das facções de Israel, não fez melhor que seus antepassados e, segundo o autor, "fez pior do que todos quantos foram antes dele". Vem aqui um aspecto polêmico na relação Deus-Homem. A divindade intervém na história do homem, elege não apenas um povo como seu escolhido, mas elege também seus governantes. Que critério adotaria um Ser Supremo, Princípio de tudo, para escolher esse ou aquele povo, sendo que na Antigüidade, sabemos, muitos eram, como são hoje, os povos espalhados pelo mundo?
O homem, para sobreviver e ter uma identidade, forja historicamente um conjunto de bens materiais e imateriais, a que podemos chamar cultura: a dança, a literatura, as ciências, arquitetura, modo de vestir, modo de se comportar, a música, organização política e econômica etc.
Historicamente, o cristianismo é uma religião nova, pois há prova inconteste de que lá nos primórdios da pré-história e dos povos antigos já havia ritos religiosos, que foram se desenvolvendo à medida que as fases históricas foram sendo implementadas pela ação humana no espaço e no tempo. Quer dizer isso que a busca para o problema do além-morte e do além-homem é tão antiga quanto a humanidade. Explicações metafísicas acerca do mistério da existência acompanham o homem desde a caverna dos povos mais primitivos. No meio desse bojo de bens materiais e imateriais denominados cultura é que o homem busca respostas para suas indagações existenciais. Como as culturas são diversas, diverso também é o leque de explicações para o mistério da vida.
Daí a diversidade dos ritos e concepções religiosas. Porque o homem busca Deus a partir da sua cultura. Porque o homem é essencialmente um ser cultural. A cultura integra o ser do homem, forja-lhe o pensamento, os sentimentos, o comportamento, os ideais, ideologias e formas de organização social, política e econômica.
Nesse sentido diz-se que a religião, tanto quanto a música, a literatura, o vestuário, a moeda ou a comida, é, sob o ponto de vista da sociologia, um ente eminentemente cultural. E não poderia ser diferente. A religião é o elo de ligação com Deus. Vem do latim "religare", que quer dizer religar - sabemos. Cada povo, segundo sua concepção cultural, concebe seu tipo de elo, seus ritos, suas formas de louvar ao Criador, sua concepção acerca dos atributos do Ser Primeiro.
Portanto, tendo a religião por ente cultural, o exercício da fé exige do crente razoabilidade para perceber que os povos, assim as crianças, segundo a ciência da Psicologia, padecem do egocentrismo, isto é, têm a sensação de que são o centro do mundo - fenômeno que só será superado com a chegada da adolescência e o amadurecimento do aparelho mental.
Toda a narrativa inicial de "Elias" aponta no sentido que o Senhor do Universo, em plena Antigüidade Clássica, em meios a tantos povos e costumes, em meio ao politeísmo que por ali proliferava, governava e ordenava em específico ao povo de Israel, numa demonstração de predileção ímpar na história dos povos. A razoabilidade, porém, pede que façamos um desconto na interpretação do conteúdo do texto, não para negá-lo radicalmente, mas para re-pensar que, em sendo a religião obra cultural do homem, ele haverá de focar o Deus que invoca em meio as cortinas de parcialidade típicas mesmo do fenômeno cultural. A contrário senso, teríamos que dar interpretação absoluta à narrativa religiosa do povo hebreu, e isso desembocaria num mar de radicalismo, hoje condenado e combatido por todas as sociedades livres e democráticas.
Pois bem, Onri "descansou com seus pais e foi sepultado em Samaria, e Acabe, seu filho, reinou em seu lugar". Diz Swindoll, "derramamento de sangue e assassinatos, conspirações e maldades, intriga e imoralidade, traição e engano, ódio e idolatria; tudo isso prevaleceu por seis escuras e ininterruptas décadas em Israel."
Quando toda essa gama de desgraça parecia pouco, assume o trono Acabe, filho de Onri, que se casa com Jezabel, o que foi pior ainda, na concepção do autor. E Elias foi arrebatado por um carro de fogo puxado por cavalos de fogo.
Israel levou quase dois milênios para conquistar o status de Estado - em 1948. De lá pra cá, vive em eterna matança frente aos palestinos. Deus não intervém mais na história? Ou abandonou os filhos de Abraão?
Ter fé parece mesmo seja um andar sobre o fio da navalha, que ora pode ferir pela dúvida excessiva ou pela omissão comprometedora.

Fonte:  Fonte: Antônio Serpa do Amaral Filho  - Escritor

 

 

 

 

 


 

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