Segunda-feira, 9 de agosto de 2010 - 17h52
Por Antônio Serpa do Amaral Filho
Cantando na calçada do Bar do Zizi, Ênio de Oliveira Bento de Melo revelou-se um dos melhores porta-vozes da música de Paulinho da Viola em Rondônia e passou em revista a obra do compositor, inundando de magia e malemolência o centro histórico guaporé. Ele não nasceu pro samba. Nasceu pra jogar basquete. A exemplo do revolucionário Tchê Guevara, sofreu e lutou contra a asma por um bom tempo. Cantava miúdo e para dentro, hoje canta pra fora em bem dosada vocalização: nem tão sustenido que pareça boçal e agressivo ao bom ouvido da platéia, nem tão descaído em profundo bemol que lhe deixe aquém do tom ideal. Em perfeito diapasão com a performance de um gentleman falando musicalmente em nome de um lorde da Portela, Ênio Melo mostrou-se um eloqüente intérprete que não abre mão da decência e fidalguia na hora de servir à mesa do ouvinte o gênero inventado por Donga, Ismael Silva e Sinhô. Sua apresentação na sexta-feira passada, dia 06, no projeto Fina Flor do Samba, defronte ao Mercado Cultural, atraiu uma enorme quantidade de gente e bambas da mais nobre estirpe musical e fez o centro histórico de Porto Velho respirar os bons ares da poesia do autor de Pecado Capital, Foi um Rio Que Passou em Minha Vida e tantas outras pérolas negras da música popular brasileira. Babá, Dadá do Cavaco e Neguinho Meneses olharam bem fundo nos olhos do intérprete e copiosamente choraram, lembrando o que disse Vinícius: fazer samba não é contar piada/quem faz samba assim não é de nada/um bom samba é uma forma de oração!
A missão honrosa de fazer a abertura do show coube ao Presidente da Fundação Cultural Iaripuna, Altair dos Santos, o Tatá, que, mesmo sem a bendita iluminação artística no palco que mais vende a imagem do Mercado Cultural, não se fez de rogado e apresentou ao público a atração da noite, narrando em síntese um pouco da trajetória de vida do filho de Dona Tereza e do seu Esmite Bento de Melo, o Príncipe do Real Segredo Maçônico de Rondônia e um dos poucos a ter, in memorian, cadeira cativa no tradicional Bar do Zizi. Quanto ao despojamento, nota dez para o Tatá. Quanto à atitude administrativa de providenciar luzes para o show, a nota crítica não poderia ser outra: ZERO.
Sabendo que cantar Paulinho da Viola não é fazer um pagode qualquer em boteco de pé de esquina, Ênio se cercou de todos os cuidados musicais possíveis na produção do seu show e conseguiu o melhor dos resultados: interpretar com maestria a obra do grande compositor, sem pagar tributo nem ao culto exagerado à imagem do artista nem ao romantismo intenso que flui das construções poéticas de suas letras. Ninguém precisa empurrar o rio Madeira abaixo, pois ele corre pachorrentamente sozinho - é sabido. Na gestalt musical de Ênio Melo deu-se a mesma coisa: Paulinho da Viola jorrou naturalmente no leito cadencial dos acordes bem articulados do sargento Ney, com o auxílio luxuoso do pandeiro de Válber, do apurado tamborim de Edmilson Night, do tantã bem colocado de Neguinho, o ganzá e o reco-reco dos serenos Sérgio e Beto Ramos e o surdo hiperbólico de Álvaro, ex-integrante do Kizomba. Jogando no meio de campo desse time de bambas, via-se Oscar Night batucando em síncopes seu requintado repique de mão.
Ênio Melo, a grande atração musical da última exibição do Fina Flor do Samba, é um intuitivo. Irmão de Ernesto Melo e marido de Dona Rosa, ele ingressou de forma transversa no domínio do violão, pois antes de saber ele já sabia que sabia. Hoje, com 5.0 de idade, reconhece, para o deleite do folclore popular, que seu caso de amor com a música e com a viola nasceu mesmo num ataque de birra provocado pelo amigo Ademir Romano, o Bacuri, que, medíocre e monocórdio, passava horas e horas encafifado num dó maior e não conseguia finalizar a música iniciada. Indignado, Ênio passou a estudar harmonia e execução, venceu a asma e soltou a voz. Por isso é hoje belo e inspirador, empunhando com altivez a viola e cantando o samba como ele deve ser cantado: com paixão e encantamento, como se todas as canções fossem dedicadas à mulher amada e o mundo fosse se acabar um minuto depois do último acorde dissonante.
No dia em que Ênio Melo se arvorou a mostrar a arte e o talento de Paulinho da Viola no centro histórico de Porto Velho, a noite só poderia mesmo terminar com uma bela homenagem a um monstro sagrado da musicalidade tupiniquim – e assim foi feito, diz a lenda. No plano espiritual, saiba Adoniran Barbosa que sua passagem na terra não foi em vão: a Saudosa Maloca, o Samba do Arnesto e o Trem das Onze continuam semeando, em todos os quadrantes, sentimentos os mais sublimes no coração da gente brasileira. E assim, com Ernesto Melo e Hudson no vocal, entoando o sambista da garoa, teve fim mais um capítulo da maior novela musical de todos os tempos em Rondônia: a Fina Flor do Samba. Salve o Bar do Zizi!
Fonte: Antônio Serpa do Amaral - antonio.serpa@trf1.jus.br
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