Sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020 - 19h10
Arvorando-se Papa da Idade Média, o secretário de Educação do Governo de Rondônia, Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu, teria enviado para as agências regionais de educação um Index Librorum Prohibitorum (em tradução livre, o índice dos Livro Proibidos), onde constavam, dentre muitas obras, 'Macunaíma', do modernista Mário de Andrade, e mais 42 outros livros, considerados atentatórios ao pudor, à moral e aos bons costumes, na visão sectária e esdrúxula do referido secretário de Estado em Rondônia. O argumento ideológico para esse censor de plantão, no expediente oficial da sua pasta, era que "os livros apresentavam conteúdos inadequados às crianças e adolescentes". O rol dos livros proibidos era constituído de vários clássicos da literatura nacional.
Esse caso de censura medievalesca logo tomou conta da pauta dos grandes jornais e televisões do país, colocando Rondônia na berlinda como estado paladino da moral brasileira no campo da livre manifestação da criação literária e provocando reações da sociedade civil em todos os recantos da nação e também do Ministério Público Federal, que tomou a iniciativa de investigar a veracidade e legalidade ou não do ato administrativo do secretário de Educação.
O ano de 2020 mal começou e subitamente a sociedade se vê regredindo ao ano de 1559 quando foi imposta a primeira versão do Index Librorum Prohibitorum pelo Papa Paulo IV, autorizada que foi pelo Concílio de Trento, sendo uma forma da Igreja Católica exercer autoritariamente o poder e manter incólume os dogmas de fé que a sustentavam como instituição partícipe do próprio Estado Medieval.
Neste estado de coisas horrendas e reacionárias em que vive o Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte. Por isso, invejo a burrice, porque é eterna. Sim, porque muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos. O macaco melhorou ou foi o homem que piorou? - questionam alguns autores nacionais.
Esse episódio é inédito na história de Rondônia e remete à lembrança de uma senhora nativa de Porto Velho, chamada Palmira Gospel, conhecida com a Enterradora de Livros. Percebendo, logo no início do governo do Capitão Esfaqueado, que o pau iria comer, que haveria endurecimento ideológico e caça às bruxas sob o comando do clã dos Bolsonaros, Palmira passou a enterrar livros em vários recantos da cidade.
A última pá de terra selou de uma só vez a sorte de um prêmio Nobel de Literatura Português e de um outro festejado prêmio Nobel Chileno! Ilustres figuras da literatura mundial enterradas no Cemitério da Candelária! Dentre as catacumbas de milhares de ferroviários desencarnados durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré estão agora figuras do porte de Pablo Neruda e José Saramago! Um cemitério completamente esquecido pelas autoridades do patrimônio histórico nacional, estadual e municipal abriga homens do primeiro escalão da criatividade literária mundial! Não foi do dia pra noite que eles foram ali enterrados, foi só à noite mesmo, numa dessas madrugadas calorentas, quando a cidade dorme, restando nas ruas sem vida apenas os boêmios retardatários e os vagalumes vadios
Foi na verdade no dia seguinte à eleição que ela pôs a mão na massa. Quando o país já tinha um novo presidente eleito; quando cessou a guerra eleitoral nas redes sociais, aquela catástrofe que arruinou profundos laços de amizade, que deixou todos a nu, despidos dos pudores acobertados por anos a fio, numa encenação de hipocrisia e cinismo capaz de produzir caras e bocas de perplexidade, quando a bomba da verdade estou na cara de todo mundo; foi logo depois que, anunciada a vitória de um dos contendores, desfez-se o clima de luta verbal e moral que destruiu vínculos familiares e inundou de rancor e ódio os lares e os bares dantes felizes da sagrada família brasileira!
A bem da fidelidade que o escriba deve ao leitor, é preciso dizer que, já no anúncio da vitória do capitão esfaqueado, pela Rede Globo de Televisão, Palmira tivera aquela macabra ideia. O realismo líquido mostra que ela estava certa. É preciso enterrar as obras literárias, pois logo em seguida elas possivelmente serão confiscadas e queimadas em praça pública!
Pensou Palmira Gospels com os próprios botões: pelo que Bolsonaro falou em campanha, açoitando o ouvido dos tupiniquins com ideias pós-maquiavélicas; pelo que prometeu fazer se eleito fosse, pelo que vociferou seu filho e aliados contra às artes e consagradas instituições, também pelos seus gestos apelativos e permeados de violência simbólica, e até pela semeadura política que fez da peixeirada que lhe atravessou as vísceras animalescas e ensanguentadas, tá na cara que o tempo vai fechar para todos nós!
É o final dos tempos democráticos e o início do Estado Inquisitorial! Não vai sobrar pedra sobre pedra! Todas as bruxas haverão de ser caçadas incansavelmente, e serão executadas em praça pública, tendo como espectador cativo o Aiatolá da Educação de Rondônia, o paladino dos valores morais! Palmira Gospel, no arremate de suas elucubrações, pensou: eles vão começar por onde todo governo forte e fascista começa, pela proibição, confisco e queima dos livros!
Não sem razão chegara a essa conclusão nossa personagem. Se a turma do capitão esfaqueado, da qual fazem parte o governador do Estado e seu secretariado, não quer mais a filosofia, a sociologia, antropologia, história e tantas outras ciências sociais presentes na realidade educacional do brasileiro, é claro que eles haverão de começar pela declaração de guerra aos livros. Palmira Gospel tinha lá suas razões! A proibição, o confisco e a queima de livros vem de longe e representa a vontade incontrolável de um governo em destruir ideologias que julgam perversas, pensamentos que julgam subversivos e ideias que as têm por danosas ao meio social.
Conjecturou nossa personagem real: vou proteger meu pequeno mas honroso acervo literário das mãos fulminantes, proibitórias e incendiárias dos queimadores de ideias! Se com um cabo e um soldado ameaçam fechar o Supremo Tribunal Federal, o que não farão quando descobrirem que me acompanho há muitas décadas de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Aluísio Azevedo, Gilberto Freire, Ariano Suassuna, Guimarães Rosa, Dostoiévski, Tostoi, Gorki, Paulo Freire, Clarice Lispector, Machado de Assis, Caio Prado Júnior, Che Guevara, Rose Marie Muraro, Leon Trotski e tantos outros!??
Se os alemães não leram Guimarães Rosa, Euclides da Cunha ou Machado de Assis, quem perde são eles, disse Ariano Suassuna.
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