No início era Caos, e o Caos era Mautner, Jorge Mautner, o Maldito. Ontem, no palco do Teatro Um do Sesc, acompanhado do violonista Nelson Jacobina, ali estava o mito: o menestrel, pensador, violinista, compositor e despertador de mentes – Jorge Mautner.
Sua performance não é exatamente um show, mas um papo de botequim com tira-gosto de salaminho barato, bom-humor e muitas sacadas irônicas e inteligentes sobre o teatro da vida. O filósofo abre alas para o músico que trás o bruxo que abre alas para filósofo que é o malandro carioca, filho do Holocausto, que não tem lógica, que é maracatu atômico destilado, que é Jorge maravilha, é mate quente, é cheque Mautner, cíclico, anti-derrapante e bêbado de si mesmo, sua própria cachaça. É Jorge Mautner – o inexplicável, no dizer do ministro Gilbeto Gil.
Segundo Jotabê, do Estado de São Paulo, Mautner significa "aquele que cobra pedágio para passar a ponte". A história desse nome de esfinge, e de um dos seus mais ilustres portadores, Jorge Mautner. Lançou um relato delirante, que se equilibra nas memórias dos pais fugitivos do nazismo, vindos da Áustria, e os primeiros passos na vanguarda paulistana, entre niilistas, modernistas, budistas, ambientalistas, umbandistas.
Falando de si mesmo, declarou: eu sou um desintegrado, um indivíduo dissolvendo-se em cacos internacionais. Um escritor pop, um desintegrado produto industrial, eu, Jorge Mautner, pura negação permanente.
Mas ele não é só isso: é um alazão puro-sangue de um tempo em que a mesa de bar era muito mais inteligente e palpitante que hoje, porque todos os credos, em meio ao trago, passavam pelo crivo do contraditório: de Jackson do Pandeiro a Dostoievski, de Aracy de Almeida a Nietzsche, do nascimento do forró ao cinema de Godard, da bossa nova ao surrealismo de Salvador Dali, passando por Karl Marx, Hegel, estruturalismo, modernismo, comunismo, e muito mais. Mautner é do tempo do mundo das idéias. Um poema no bolso e uma revolução na cabeça. Para ele, pensar nunca não sai de moda. Se penso, logo instalou-se em mim o caos, de onde brotará a ordem e a desordem na roldana interminável da história.
Um dia ele conheceu os tropicalistas Gil e Caetano, em Londres. Sobre eles disse: os baianos são o mel, a bondade, a ternura, o cristianismo, a generosidade, o amor de um Brasil que só agora descobri através deles. Então eu disse para Caetano e Gil: - Vocês me tiraram da lama! E Mautner, é o maldito que, guilhotinando a pachorrenta normalidade de uma quarta-feira de cinzas, por uma noite nos tirou do tédio.
Salve a paz e o caos do seu espírito!
Fonte: Antônio Serpa do Amaral Filho
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)