Quarta-feira, 10 de outubro de 2007 - 08h04
Juiz Berlange Andrade: justiça feita em bar
O juiz rondoniense que atua no Mato Grosso do Sul, José Berlange Andrade, iniciou uma guerrilha urbana nas barbas dos latifundiários pantaneiros. Ele vem chamando a atenção da mídia nacional por sua ousadia e criatividade: realizar audiência judicial em um boteco, à falta de outro lugar mais adequado, numa cidadela daquele Estado, chamada Ponte do Grego. A cena inusitada vem chocando os operadores do direito mais ortodoxo e fazendo a alegria dos causídicos e magistrados da corrente progressista, vamos chamar assim.
Justiça, para o cidadão comum, é coisa que só funciona para ladrão de galinha e congêneres. Nunca para a elite e classe média alta. Ciência do Direito, para o povo brasileiro em geral, é palavrão do qual a gente tupiniquim não faz a mínima idéia. No mesmo diapasão, Polícia é aquele órgão do governo que tem a missão de subir o morro e prender e/ou matar traficantes de droga. Tribunal é coisa de gente chique e inteligente, que fala uma língua pomposa, cheia de efeitos prosódicos de difícil doma. Ou seja, boa parte da população brasileira vê nas instituições judiciárias uma redoma de gente bacana, poderosa e partícipe de uma confraria onde se fala um idioma tão ininteligível quanto o grego: o jurisdiquês.
Até pouco tempo éramos chamados - somos de fato - de República dos Bacharéis. Ter um filho advogado era o sonho dos velhos coronéis da colônia, da República da Espada e da República Velha. Todavia, há quem tenha botado a boca no trombone. No auge do seiscentismo barroco, Gregório de Matos, o Boca do Inferno, já disparava suas farpas satíricas às faculdades portuguesas de além-tejo: adeus prolixas escolas/de reitor, meirinho e guarda/lentes, bedéis, secretários/que tudo somado é nada.
Ele, também bacharel, formado na Coimbra dos choupais, filho da elite colonial, foi um dos primeiros a denunciar a falácia encenada pelas instituições incumbidas de tratar e dizer o Direito, seja no conotativo de valor ou justo, seja na concepção de norma de conduta, seja na de ciência que estuda essas normas disciplinadoras da ação humana em sociedade, ou seja na idéia de direito enquanto faculdade subjetiva inerente ao sujeito que participa cidanicamente do convívio social - que pode, ou não, fazer valer seu direito objetivo nas barras das tribunas judicantes.
O fato é que o distanciamento entre Povo e Justiça data dos primórdios da nossa civilização. A ideologia da República dos Bacharéis, engendrada de maneira a conceber apologeticamente a figura do operador do direito e suas respectivas instituições, criou um paredão muito mais alto e mais resistente que o Muro de Berlim entre a Sociedade nacional e a Justiça, enquanto instituição. Esse fosso abismal a separar o povo do mundo da lei perdurou mesmo depois de proclamada a república pelo velho Deodoro da Fonseca, que o fez, observe-se, à margem da participação popular, atrelado unicamente a meia-dúzia de milicos positivistas. Recapitulando o dever de casa, diríamos: Dom João VI aqui lançou âncoras sem o povo o chamasse, portanto à revelia deste; a Independência não teve participação popular; a Constituição da Mandioca manteve o zé-povinho longe do poder de decisão; a famosa Proclamação da República deu-se à margem da gente brasileira; em seguida um Estado só fez a Revolução de 30, o Rio Grande do Sul, e, em 37, entregou o poder a um só homem, Getúlio Vargas; um pequeno hiato de democracia..., e pau na moleira de novo: Ditadura Militar de 64.
Quer dizer, atravessamos historicamente diversas épocas de transformações sociais, políticas, econômicas e jurídicas sem que o povo de fato tenha atuado como agente partícipe essencial nessas páginas históricas. Quando muito a gentalha serviu de bucha de canhão na Guerra do Paraguai, principalmente os negros. Quando muito os descamisados se acotovelaram e resistiram no arraial de Canudos, tentaram a Sabinada ou a Revolta dos Alfaiates, ou pelejaram com a Balaiada nos confins do Pará. Nada disso deu pé. A classe dominante foi muito astuta e politicamente bem mais articulada que os pés-descalços tupinambás.
Daí que hoje quando um juiz vai a um botequim, nos arredores de Terenos, realizar atos processuais que objetivam tanto aproximar o povo das suas instituições quanto dizer o direito e ao mesmo tempo desmistificá-lo perante aquele que detém o poder originário, portanto anterior à própria Constituição e aos códigos infraconstitucionais, é mal visto e mal dito, como uma ameaça à dessacralização e à popularização da justiça. O juiz Berlange Andrade é perigoso, sim. É um perigoso agente revolucionário a serviço da modernização do Brasil, do entrelaçamento cidadânico povo-judiciário e da efetivação de um poder judiciário que não tem medo de dizer o justo direito no bar da esquina, comprovando que a integridade de um Poder da República não está na forma como ele realiza seus atos processuais, mas sim no seu real compromisso em servir à sociedade com denodo, com independência funcional, qualidade técnica e grandeza jus-sociológica de espírito. O magistrado José Berlange é um homem-bomba: na pacata Terenos, onde existe demanda de 900 famílias pela posse da terra em assentamento de reforma agrária, ele detonou a primeira banana de dinamite nos pilares da República dos Bacharéis, da República dos Coronéis e da República dos Togados.
Talvez porque queira mesmo soerguer, com seu gesto lúcido, a República dos Sem Anéis, onde a Justiça não tem medo do cheiro de povo.
Fonte: Antônio Serpa do Amaral
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