Sexta-feira, 18 de setembro de 2009 - 17h06
O artista plástico Júlio César de Carvalho lançou recentemente a obra “Um Olhar Sobre o Urbanismo e a Arquitetura de Porto Velho”. Com encadernação de primeira qualidade e objetivo não menos nobre, o livro traz a proposta de passar em revista uma das mais expressivas formas de cultura do homo sapiens: a concepção arquitetônica com suas formas, materiais, volumes, cores, estilos, ângulos, funções e serventia social. A obra não se prende a mostragem saudosista das edificações, cantos e recantos porto-velhenses. Trata-se na verdade de uma instigante leitura do autor sobre a formatação urbana que se desencadeou à margem do Madeira, desde o nascimento da cidade até hoje.
O trabalho foi lançado no Mercado Cultural, em solenidade timidamente divulgada e pouco prestigiada pelas autoridades constituídas, e chega ao público em meio ao imbróglio e ao caos urbano em que a cidade está atolada. Daí a oportuna sacada do autor em lançar Um Olhar Sobre o Urbanismo e a Arquitetura de Porto Velho - um inventário histórico, plástico, revelador das nossas facetas geométricas e dos estilos das nossas construções, suas tendências, influências e expressões estéticas no espaço e no tempo.
Um olho na obra de Júlio Carvalho, outro na realidade, vê-se que Porto Velho está irreconhecível. Proporcionalmente, é campeã brasileira de homicídios, de acidentes no trânsito e violência urbana. O povo vive com a tensão à flor da pele, numa situação bem diferenciada daquela descrita em muitas fotos contidas no livro em que Júlio revela uma Porto Velho que não conhecia a palavra estresse, a vida fluía calmamente e as relações tinham mais profundidade e conteúdo. Na foto, a imagem tem o poder de congelar esse tempo bom, para espanto dos incrédulos e orgasmo dos saudosistas.
A construção civil se impõe como principal elemento propulsor da nossa atmosfera urbana. A plástica urbanística da cidade parece o samba do crioulo doido, metamorfoseando-se subitamente como se o mundo fosse acabar amanhã. E nós, como diz o livro de Carvalho, “silenciamos diante do ‘assassinato’ da memória coletiva mais expressiva e visível que é a arquitetura, uma linguagem tão universal que traduz, com grande exatidão, a idéia de uma época e a visão de seu passado.” O choque entre Capital e Trabalho já produz seus primeiros efeitos, e a greve, que antes, na economia do contra-cheque, era feita somente na seara da administração pública, agora eclode como uma explosão atlântica no centro da urbe, quebrando um pouco da monotonia e da cumplicidade em torno dos rumos sociais, econômicos e culturais que o agronegócio e o governo federal nos empurram. Porto Velho é um efervescente canteiro de obras. Os prédios brotam da noite pro dia, emergindo do solo pacto como uma safra surrealista de espigões recheados de ferro e argamassa, manipulados por homens que trabalham feito máquinas tentando executar um desenho lógico à guisa de atender aos interesses do mercado imobiliário – o mais inflacionado do país. Foi-se o tempo em que Raquel Cândido comandava hordas de deserdados e excluídos na promoção de invasões e construção de Caladinhos e outras periferias. Uns dizem que é o fim do mundo. Outros dizem que o progresso chegou, e outros, ainda, denunciam que isso não é desenvolvimento nem aqui nem na conchichina. É burla, circo e falácia. Enquanto os barões da burguesia paulista sonham noite e dia com a chegada da energia do Madeira em seus parques industriais, a nossa medíocre classe política se contenta com as migalhas dos royalties. A visão do povo que antes era praticada horizontalmente agora se espraia verticalmente içada por força da nova angulação urbanística. O olhar proposto na obra de Carvalho não se prende ao senso-comum da descrição pedagógica e iconográfica do conjunto de edificações que foram erguidas nestas paragens desde a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré aos dias de hoje. Os cutubas e pele-curtas sem dúvida sentirão saudades quando se depararem com as cenas protagonizadas por Aluízio Pinheiro Ferreira e Renato Clímaco Borralho de Medeiros – seus líderes. Em suas 178 páginas o livro até cumpre o inevitável mister de ser didático, mas não é só isso, pois também é analítico, dotado de excelente textos e acervo fotográfico de incomensurável valor cultural, e até poderia ser mais crítico, poderia por exemplo se utilizar da voz de autoridade no assunto e ser mais incisivo na defesa do patrimônio histórico, denunciando os crimes de lesa-patrimônio perpetrados por governantes das esferas federal, estadual e municipal – já que Júlio Carvalho entende que “o patrimônio arquitetônico de uma cidade é um capital espiritual, cultural, econômico e social de valores insubstituíveis”.
Dentre outros ângulos e retângulos conceituais, aprendemos com a obra de Júlio Carvalho que as Três Caixas D’água que se postam altivas na praça são testemunhas da influência da Revolução Industrial entre nós. No mesmo diapasão, temos os galpões e o girador da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. O ecletismo dos estilos Arte Déco e Art Nouveau conviveram e convivem com a intuição plástica que o beradeiro aplica às suas edificações de paxiúba e pau-a-pique. O livro sugere, enfim, que, em meio as nuances de barroquismo, neoclassicismo e estilo romano, dentre outros, somos a civilização guaporé marchando e plasmando nossas edificações com anseio de dignidade que repercute da alma cabocla e sede de justiça social que nos salta aos olhos. Em sendo criticamente interpretado, o livro de Júlio Carvalho pode ajudar a curar a cegueira que às vezes toma de assalto nosso olhar sobre a cidade. Com ele, o autor presenteia e sacode o município de Porto Velho por seus 95 anos de idade. Parabéns pra nós.
Fonte: Antônio Serpa do Amaral Filho
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