Quarta-feira, 13 de maio de 2009 - 20h13
Por Antônio Serpa do Amaral Filho
A administração Roberto Sobrinho entregará à comunidade, nesta sexta-feira, mais um espaço para mostra de arte, vivência do lazer e venda de iguarias regionais: o Mercado Cultural. Para se fazer justiça à obra petista, Sobrinho terá que honrar o bônus e suportar o respectivo ônus da empreitada.
Novíssimo em folha, ao custo de um milhão de reais, e edificado sob o túmulo do antigo Mercado Municipal, onde também foi soterrado o Bar do Zizi, o rebento vem ao mundo já marcado pela polêmica. Explica-se: para soerguer essa estrutura urbana a prefeitura de Porto Velho mandou sacrificar os dois únicos boxes remanescentes do bem cultural construído em meado do século 20: o Mercado Público Municipal. O atentado perpetrado contra a memória beradeira foi considerado à época, por este aprendiz de periodista, "O Solo Mais Fúnebre do Maestro Júlio Yriarte" - então presidente da Fundação Iaripuna, a quem incumbe zelar pelos bens culturais dos karipunas e guaporés. Nessa levada, vozes críticas passaram a ecoar em todos os quadrantes da urbe porto-velhense.
O caso ganhou espaço na mídia especializada de grande porte e, no final de 2008, a Revista da Biblioteca Nacional tascou um torpedo no imbróglio, afirmando que "um sentimento de indignação envolve a capital de Rondônia desde fevereiro. Os moradores de Porto Velho assistiram, perplexos, à destruição dos últimos resquícios do Mercado Público Municipal, uma relíquia dos tempos áureos do ciclo da borracha!" O poeta municipal Antônio Cândido bradou em prosa e verso: Mais uma página da história foi rasgada/desta cidade a quem eu quero bem/E do velho mercado destruído/restou o pó e ferro retorcido/exposto na amplidão./Nosso velho mercado virou pó/na lâmina possante do trator./Resta apenas agora uma saudade,/e na página da história/um rabisco de dor. A partir daí o angu engrossou o caldo, tendo a Associação Cultural Rio Madeira, em ferino manifesto, chamado a destruição do sítio residual do antigo mercado de "ação desmiolada" da gerência petista. E o circo pegou fogo, inclusive nas hostes municipais do Partido dos Trabalhadores, onde correntes "preservacionistas" e "progressistas" travaram luta renhida na discussão do tema entre a companheirada. O Grupo Cidade, Cultura e Inclusão tocou o zaralho e veio a público dizer o pensava. O causídico Ernande Segismundo, paridor da idéia de revitalização do centro histórico da cidade, compareceu na arena do debate para dizer que a destruição do Bar do Zizi não tinha seu aval, posto ser ele defensor intransigente da memória da gente destas paragens, tendo travado 20 anos de luta contra a ganância dos Tourinhos, que abocanharam, ilicitamente, o pedaço onde hoje está construído o Edifício Rio Madeira. Todavia, vozes dantes altaneiras e defensoras do bem cultural dos nativos calaram-se, acomodadas nos seus respectivos cargos da máquina administrativa. O antigo e valoroso núcleo de resistência residiria agora no núcleo do poder, e acender uma vela pra Deus e outra pro Diabo sempre foi uma tarefa complicada na arte da política, exceto para os tucanos. O que coube historicamente a Calabar, aqui não faria sentido algum se outorgado fosse aos que fizeram vista grossa e ouvidos de mercador à causa do velho mercado: o elogio à traição.
Entretanto, em que pese o mercado ter morrido feito um cão sem dono, clamando por socorro ao Mado, Binho, Bado, Bira, Bubu e Babá, não é a primeira vez que a força da grana ergue e destrói coisas belas nas barrancas do Madeira. Ensina-nos o poeta e pesquisador Antônio Cândido que Fernando Guapindaia, nosso inaugural superintendente, construiu e inaugurou, em 1915, o primeiro mercado municipal da cidade. Seu substituto, Joaquim Tanajura, não gostou e mandou demolir o prédio, argumentando que faria outro de maior porte. Mas seu intento não passou do alicerce. Cada prefeito que entrava fazia um pedaço da obra, até que, em 1950, o prefeito Ruy Brasil Cantanhede finalmente inauguraria o Mercado Municipal, na sua segunda versão. É o processo de vida e morte a serviço da história.
Nesse ciclo perene, o Mercado Cultural vive hoje seu apogeu de vida. Do anfiteatro jorrarão as peças musicais da velha e nova safra de compositores. De cara, as presenças de Ernesto Melo, Bainha e Silvio Santos garantem a qualidade musical da noite de estréia. E tem mais. Comidas típicas, artesanatos, CDs de artistas locais, livros, peças teatrais e performances são alguns dos muitos produtos a serem oferecidos ao público visitante, nessa nova fase cultural do antigo mercado. Com a fachada estilizada em art nouveau, buscando a maior dose possível de fidelidade ao projeto original, o Mercado Cultural tenta se redimir do pecado original em que foi gestado e procura se impor a partir de agora como o novo estandarte patrimonial da cidade. Das cinzas residuais do bem e do mal renasce para o mundo dos valores culturais a Fênix ribeirinha, O Mercado Cultural - um Prometeu que pretende roubar dos deuses o fogo da sabedoria para doá-lo aos homens no intuito pedagógico de que eles aprendam a reverenciar a memória dos seus antepassados. Ainda que por vias transversas, é inegável que Roberto Sobrinho entrará para a história como aquele administrador que deu vida ao Titã. É, em honra, a parte que lhe cabe deste latifúndio.
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