Quinta-feira, 14 de junho de 2012 - 11h50
Por Antônio Serpa do Amaral Filho
Um era filho Amílcar Barca e nasceu em Cartago. O outro era filho de Dionísio Xavier e nasceu no antigo Território Federal de Rondônia. O Aníbal cartaginês morreu por volta de 183 a.C. Já o Aníbal karipuna faleceu ontem, Dia dos Namorados, em pleno ano de 2012. Uma coisa em comum havia entre os dois: a guerra. Enquanto o filho de Amílcar travou batalhas homéricas com Roma, o filho de Dionísio travou peleja medonha com os mundos desconhecidos da mente. Um levava vida espartana. O outro fumou todos os cigarros do mundo, alimentando o afã de sua subjetividade andarilha. Barca foi o principal comandante cartaginês durante a Primeira Guerra Púnica. Dionísio Xavier foi vereador da primeira legislatura da Câmara Municipal de Porto Velho.
Quem vai embora deixa sempre uma história de vida para os que ficam; história que, no vazio da ausência, vai sendo desvendada aos poucos como se fosse um novelo de lã sendo homeopaticamente consumido pela feitora de um bordado.
Nunca na história do homem tantos homens se dedicaram a um só homem. Foram tantos e quantos que não dá pra contar. Só dá pra dizer que foram muitos, mas muitos mesmo, os pais de santos que tentaram ajudar Aníbal. Alguns, é verdade, queriam ajudar a si mesmos. Maria não poupou tempo nem dinheiro, e foi muitas vezes explorada. Movidas a esperança e amor, a tiracolo de sua Maria eterna cuidadora e protetora, incontáveis foram as sessões de baixo, médio e alto espiritismo a que foi submetido o guerreiro Aníbal, na tentativa de receber do além, através do rito e da fé, a bem-aventurada poção mágica da bênção curativa. Foram invocadas entidades das sete linhas, das sete falanges e das sete encruzilhadas. Até Exu e Pomba-Gira, entidades do alto clero da Kimbanda, foram convidadas a se pronunciar sobre as enfermidades que acometiam o guerreiro, suplicando os pais de santo que os orixás fossem bondosos com Aníbal como Maria foi com eles, com quem ela gastou o que tinha e o que não tinha, na esperança de ter o filho são e salvo. Até macumbeiro boliviano participou da empreitada espiritual, e nada. Danças, rezas, rito e bailados, fumo, álcool e comidas para os orixás, e nada. Não deu link. É como se o além, por razões desconhecidas, se negasse a estender a mão ao combalido comandante do exército de um homem só. Os pais de santos não conseguiram plugar Aníbal ao além do homem, por isso ele não recebeu as graças dos espíritos de luz. Nem os terreiros de Codó deram jeito. Soaram os tambores, bailaram os babalorixás, e nada. Aníbal não conseguiu fazer cabeça de praia no território das forças sagradas. Talvez porque sua opção foi mesmo viajar por suas trilhas enigmáticas e introspectivas, talvez para dar o testemunho de que há muito mais embuste do que realidade metafísica nas tendas dos pais de santo. Nem a Umbanda nem o Espiritismo nem a Psiquiatria nem o Deus de Abraão conseguiram desvendar o mistério do seu ser.
Espirituoso, quando em cizânia com seu pai, Aníbal dizia: “Só porque tem nome Grego – Dionísio! Grandes coisas! O meu é Aníbal! De fato era. Aníbal às vezes de falar requintado e preciso. “Estou com sede! Que tal a gente ir ao supermercado e comprar um suco em conservante para beber bem gelado???” – dizia ele em lapsos de lucidez. Quanto ao gosto musical, Aníbal se contentava em ouvir Roberto Carlos, Márcio Greik e Fernando Mendes. Dono de prodigiosa memória, era capaz de rememorar os nomes completos de quase todos os velhos colegas que estudaram com ele no Colégio Dom Bosco.
Quando o vi pela última vez ainda vivo, ele me fez um pedido, dizendo: Basinho, me traz um presente, um chaveirinho, ou uma fitinha, ou qualquer coisinha bacana de camelô. Hoje ofertei-lhe, a beira túmulo, uma oração, de mãos entrelaçadas com Joana D’arc, Eleide e Domitila. Era de mais precisão, acho. Fui porta-voz do abraço de todos, inclusive daquele que decolou de Maricá para Itapuã do Oeste, em Rondônia. Foi-se desta pra melhor como um irmão que eu deveria ter tido.
Partiu sem conhecer seu filho, um rebento que teve com uma paciente da ala de psiquiatria do Hospital de Base de Porto Velho. Anonimamente sua descendência frutificou na face da terra. O Aníbal de Cartago perdeu o embate para Roma. O Aníbal do Guaporé perdeu a batalha para o cigarro. Mas ambos deixaram uma mensagem: nem sempre um guerreiro nasce para vencer a guerra. Às vezes ele só quer mostrar que preciso ser altivo, seja ante o poderoso império dos Césares, seja ante as garras afiadas do vício. A dignidade está no espírito, e não no resultado da peleja... E disse adeus, o Guerreiro Solitário!
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