Disse o profeta Caetano Veloso que um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante, numa velocidade estonteante e pousará no coração do hemisfério sul da América.
A exacerbada visão futurologista do poeta deu asas à concepção de que uma nave espacial taxearia no topo do platô andino trazendo a psicodélica figura ao nosso convívio.
E ficamos todos basbaques a olhar para o céu de Varginha, na esperança de que um disco-voador trouxesse logo esse galáctico filho de tupã.
A catarata ideológica cegou a todos, por isso nos esquecemos que a metáfora, por mais perfeita e sedutora que seja, toma corpo apenas na vastidão do espírito do artista. Todo o resto só tem chance de acontecer na dimensão da grande arena eminentemente humana que é a História.
Nela interagem, movidas a interesses, tempo e espaço, as forças produtivas, políticas e econômicas construtoras de valores e modelos civilizatórios.
Daí que o índio já co-habita entre nós e não o reconhecemos; respira o mesmo ar latino-americano que inspiramos, e não o identificamos; sonha os mesmos sonhos que já sonhamos, e, por deficiência de nossa sensibilidade, não o concebemos. Esperamos um ser metafísico. Por que? Porque a aridez da verdade incomoda bem mais que a quimera do inatingível. A nave-mãe que conduziu o especial aborígene já posou e ninguém se deu conta. Porque todos esperavam pirotecnia, fotos acachapantes, manchetes escandalizantes, furo de reportagem e uma bateria de flashes sobre o ET Cinta-Larga de outros domingos glaciais, e isso foi coisa que não aconteceu. Simplesmente porque o processo histórico que brota do real decepciona nossa sede de cenas holywoodianas. Evo Morales é o índio caetanístico profetizado. A nação Aimará, sua estrela colorida de onde apeou para palmilhar, entre erros e acertos, os tortuosos caminhos de Latino-América.
Parodiando o mestre Paulinho da Viola, diria que a Bolívia não é só isso que vê, é um pouco mais, que os olhos não conseguem perceber e as mãos não ousam tocar.
Enquanto o Senhor Jesus da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro tem polidos traços judaico-europeu, o Cristo Boliviano tem cara de índio, tchê!, é Cochabambino e reina soberano por sobre o monte San Pedro, com seus 265 metros de altura, anunciando silenciosamente um novo néon para as diversas tribos da grande nação boliviana.
Consta dos anais que a rainha Vitória, quando sentiu os interesses da sua Coroa Imperial contrariados, determinou que suas esquadras de guerra invadissem a Bolívia. Quando lhe esclareceram que a Bolívia não tinha saída para o mar, resignou-se: “Deixem, esse país não existe”.
Não sabia ela que o índio, impávido como Muhammed Ali, apaixonado como Peri e infalível como Bruce Lee, nasceria na mediterrânea Bolívia do Século 21.
Morales, como todo ser prenunciado que desce a terra para cumprir missão celestial, tem dado alguns escorregões, é verdade, mas nada que fuja ao figurino de aprendizado que esse Índio da constelação Aimará deve mesmo submeter-se para revelar aos povos sua verdadeira vocação guerreira, socialista, construtiva e transformadora.
Diz Caetano que ele surpreenderá a todos, não por ser exótico.
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto, quando terá sido o óbvio.
Abram alas, pois, para o Moicano dos Andes!!
Fonte: Antônio Serpa do Amaral Filho
Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)