Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Serpa do Amaral

O pragmatismo de Glauber Rocha e o romantismo Guaporé


Por Antônio Serpa do Amaral Filho

O pragmatismo de Glauber Rocha e o romantismo Guaporé - Gente de Opinião

Ao assistir o documentário sobre a vida do maior gênio do Cinema Novo, Glauber Rocha, uma coisa nos chama atenção: a diferença abismal entre o pragmatismo revolucionário dele e o nosso romantismo Guaporé. Antes de qualquer a priori ou a princípio, Glauber era um homem de ação, do chegar chegando e fazer fazendo, um homofaber movido a lenha conceitual, verdadeiro vendaval tripudiando os trotskistas e leninistas mais afoitos. Até por imposição do seu primoroso ofício, que tem por comandos: câmera, ação! Pronto, o filme da vida real começava imediatamente a ser rodado. Se por delírio ou egocentrismo dissesse “A Revolução sou Eu”, todos haveriam de tirar o chapéu pra ele em consentimento unânime. Morto, dele diria Jorge Amado: “É um gigante, muito maior do que nós pensávamos que fosse”.

Intenso como um solo de Jimi Rendrix e fosforescente como a década de 60 com sua revolução sexual, movimento contra-cultural e entrechoque das grandes potências ideológicas, ele queria tudo pra ontem, como se não houve mais possibilidade de um amanhã. Apaixonado, se entregava de corpo de alma ao sentido político-estético que dedicara à vida, como se estivesse marcado para morrer no dia seguinte.

Crítico, ao falar parecia uma metralhadora verborrágica atirando verbetes e locuções em todos os sentidos da rosa do vento, sempre com uma análise a querer decodificar as contradições da existência e apontar rumos para a arte na construção de uma sociedade proletária e socialista. A maneira de ser do homem Guaporé é muito mais comedida. Nela, devagar também é pressa. Correr pra quê se o Rio Madeira corre sozinho há séculos e nunca ninguém o viu suplicando por uma mãozinha para descer mais rápido! Glauber é filho da urbe industrializada e tacanha. O nativo é rebento altivo da mãe-terra despudorada e farta. O cinegrafista bebeu a vida num só gole, brindando a Sócrates a coragem de ter optado pela cicuta letal. Sorver a existência homeopaticamente, a um dia de cada vez pra não embananar o calendário da contemplação, é a máxima filosófica dos beradeiros.

Enquanto Glauber tem pressa, o homem Guaporé tem sesta. Transformar era seu verbo predileto. Contemplar, com zero de estresse nas veias, já satisfaz o nosso caboclo. Um semeia vento e colhe tempestade; para o outro, devagar se vai ao longe. Para Glauber a ação é pra ontem. Para o caboclo era pode esperar pra depois de amanhã, se não chover. Glauber é um guerrilheiro urbano. O caboclo é um monge tribal. Ambos sonham: um acordado e ou outro dormindo. Glauber quer a tríade: ação, pensamento e sentimento. Para o caboclo, com apenas duas dessas pedras essenciais já dá pra tocar a vida. Glauber sonhou com um Brasil inteiramente comunista. Os românticos combatentes desta ribeira queriam apenas “A República Socialista do Guaporé”.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Diálogos insanos da pandemia

Diálogos insanos da pandemia

No infortúnio da solidão atroz, o jeito é quedar-se nu com a mão no bolso, olhando para as impassíveis paredes que miram, espiam a gente até de rabo

Um dia da caça, outro dos “povos novos”, de Darcy Ribeiro

Um dia da caça, outro dos “povos novos”, de Darcy Ribeiro

Num primeiro voo de radiofusão para além das plagas amazônidas, a Música Popular de Rondônia começou a ser mostrada na Rádio BBmusic, da cidade Búzi

As lágrimas internacionais que choraram a morte do poeta

As lágrimas internacionais que choraram a morte do poeta

A democracia voltou a ser ameaçada no país cujo nome é uma homenagem a Símon Bolívar, o Libertador das Américas. Com essa última quartelada, já são

 Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Apesar do vazio cultural, da perda irreparável para o humanismo e para a criatividade brasileira e do profundo incômodo emocional provocado pela par

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)