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Serpa do Amaral

O Prefeito Não Foi ao Mocambo


  

O Prefeito Não Foi ao Mocambo  - Gente de Opinião

Por Antônio Serpa do Amaral Filho

O prefeito Roberto Sobrinho não foi ao Mocambo, mas deveria ter ido, porque lá, com a apresentação do show Trinca de Reis, teve início as comemorações dos 95 anos do município de Porto Velho. O bom governante deve ir aonde povo está, até porque Porto Velho, neste instante histórico em que muitos valores culturais estão sendo sacrificados, precisa não apenas de edificações materiais, de bueiro, drenagem e escola, mas necessita principalmente do estofo espiritual que lhe preserve o amor-próprio e lhe fortaleza no cultivo da sua identidade. A nossa cidade veio ao mundo parida no calor dos fluxos migratórios: primeiro chegaram por aqui as quase 50 nacionalidades que construíram a Ferrovia do Diabo. Depois vieram os arigós, arribando do sertão para os seringais da hiléia brasileira; por último, veio uma cambada de brasileiros de todos os recantos do solo pátrio. Quando a suspensão da poeira estava baixando, disseram-nos que seríamos hóspedes de mais 120 mil caçadores de oportunidades. Rondônia é mesmo casa de mãe Joana.

Retomando o fio da meada, o prefeito não foi ao Mocambo, mas lá estava o presidente da Fundação Cultural Iaripuna, Altair dos Santos – o Tatá. Presentes também os convidados especiais, os reis Ernesto Melo, Sílvio Santos e Bainha. Estranhamente o povo também não compareceu. Exceto uma meia-dúzia de gatos pingados, amantes da noite e produtores culturais, o resto era composto de admiradores, jornalistas e amigos dos reis, porque o povo mesmo, o pessoal do Mocambo mesmo, a massa da mandioca, essa não arredou o pé de casa pra ver o excelente show de musicalidade nativa que se desenrolava logo ali, na biqueira dos seus cornos.

O poeta Mado, com seus trejeitos chaplinianos e discurso poético cativante e improvisado, até fez a chamada geral por diversas vezes, mas o povo do Mocambo não deu muita bola. Não se faz cultura popular por decreto nem por chamamento oficialesco em cima da hora, ainda que na voz de poetas. O povo pode ser alienado, mas não é burro. Ou as pessoas não foram avisadas com antecedência, ou não foram cativadas, ou o nosso nível de alienação é de tamanho grau que nem a administração petista se deu conta de que o buraco da comunicabilidade povo-governo é mais embaixo. Por isso, insistimos que a autoridade maior do município deveria ter ido. Sobrinho poderia ter levado parte do seu secretariado, poderia ter inspirado o povo a curtir seus poetas e músicos magistrais. O poder deve ter o poder de abrir praças e vitrais também para sensibilidade. A cidade está carente de alma, de personalidade e auto-estima, e não apenas de obras e asfalto. A nossa urbanização é extremamente tensão, ferina e pirante. O Partido dos Trabalhadores, antes de chegar ao poder, era mais apaixonado por suas bandeiras de luta. No poder, o partido -pelo menos aqui nestas barrancas- parece embevecido com certo racionalismo pragmático e um percebível objetivismo eleitoreiro que o faz perder a ternura muito antes de ter endurecido o entrevero com as antigas práticas dos seus antecessores. Que os petistas troquem suas havaianas pelas sandálias da autocrítica. Com o hino de Rondônia na boca do povo, o Mocambo cantou parabéns pra você, Porto Velho, Ponto do Velho ou Porto Velho dos Militares, mas Roberto Sobrinho não foi lá compartilhar com o bairro sua folia de reis.

Se ao Mocambo não foram os vivos, os mortos é que inexoravelmente tiveram que assistir de camarote a belíssima apresentação dos nossos mais expressivos artistas populares no mundo samba. Os mortos, Jesus Cristo e seus doze apóstolos, pelo menos na pintura irônica que posava de pano de fundo ao local onde o show acontecia. A pequena praça encostada ao muro do Cemitério dos Inocentes serviu de palco aos três reis magos beradeiros. Bainha, cuja mãe, dona Marieta, está enterrada naquele campo santo, trouxe o repertório abre-alas, relembrou saudosas marchinhas da Banda do Vai Quem Quer e do Galo da Meia-Noite, invocou o falecido sambista Babá e declarou com orgulho que é da sete de setembro, lá do quilômetro um, bairro de gente bamba, de muita mulher, futebol e samba. Sílvio Santos chegou com muito gás, samba no pé e fôlego para passear do samba-canção ao forrobodó, de Ceará de Iracema a 100 Anos de Alencar, da toada de boi ao ás recordações do porto, velho porto. Menino criado sem cueca em São Carlos, Sílvio presenteou o Mocambo com a garbosidade da sua arte musical, contando causos, rindo e fazendo o povo rir, cantando e emocionando os corações, traduzindo no seu ofício de cantor o amor que deveras sentimos, ou deveríamos sentir, pela cidade de Porto Velho. Amor que cresceu em extensão, profundidade e expressividade quando ao palco chegou Ernesto Melo, o poeta da cidade. E, ao som dos tantans, pandeiro e viola, o samba cresceu, floresceu e apareceu no território livre do Mocambo, ajuntamento de pretos, amantes da liberdade, invocadores de Zumbi e cultores de Quilombos. Mocambo que, no dizer poético de Ernesto Melo, cheirava desgraça, cheirava cachaça, cheirava mulher... 

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(*) fotos de Beto Ramos.

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