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Serpa do Amaral

Paulo Queiroz: Um escriba de rabo preso com o leitor


Paulo Queiroz: Um escriba de rabo preso com o leitor - Gente de Opinião

Paulo Queiroz Bezerra morreu como escrevia: deliberadamente livre. Não escrevia para viver, vivia para escrever. Por obsequioso voto de renúncia às tentações do mundo, serviu às redações, mas não serviu a si mesmo. O existencialismo de Jean Paul Sartre pode lhe ter dado combustível para o suposto suicídio. Achar valor na vida, todos acham. Paulo Queiroz fez diferente: achou valor também na morte. Como todo falecido, não tinha só boas qualidades. O portentoso escriba tinha imensos defeitos. Um deles, por exemplo, era ter o rabo preso com o leitor. Outro grande defeito dele: o amor pela verdade. Por último, uma das suas maiores invirtudes: era escrevinhador de um texto comprometido com a cidadania, com a justiça e com a crítica social. Dentre outros, esses eram seus principais defeitos.

Com eles permeando e temperando seu ofício de comunicador social, o paraibano de boa cepa se fez lendário e insigne jornalista em nossas plagas. Fez-se grande e sábio sendo simples e despojado. Ao sabor da sua primeira imperfeição moral, aconselhou-se com o jornalismo em pessoa, o inveterado Vinícius Danin, que o orientou a formatar seu texto em blocos tripartite, para que o então jovem e ávido escriba não ficasse por aí atirando a esmo, produzindo textos das mais variadas vertentes e estilos, como se fosse um franco-atirador vernacular vomitando, em cólera, reportagens políticas e policiais, crônicas, análises e notas periodistas das mais variadas performances. Capacho do leitor, e como se fosse um garçom francês, Paulo Queiroz passava dez mil quilômetros longes dos garçons comuns, desses que servem qualquer gororoba aos seus comensais. Paulo, ao contrário, era nobre servente do seu cliente principal, o leitor, sendo por isso requintado na argumentação de suas guloseimas redacionais, caprichoso na construção dos seus períodos e artesanal na ourivesaria das suas peças informativas e analíticas. Por ter o rabo preso com o leitor, não lhe sobrava tempo para garimpar, nos labirintos das trocas de favores, o famoso jabá que os poderosos, em tendo mesmo que lançá-los aos porcos, os aproveitam na alimentação estomacal de alguns lambe-botas que possuem carteirinha de jornalista e que à santa pobreza espiritual dão um ar de grandeza profissional.

É óbvio que Paulo Queiroz era nosso jornalista mais inteligente, mais refinado e culto. Todavia, a destinação que dava aos seus atributos é que não era assim tão óbvia. Errático, ele optou por destinar esse conjunto de talentosas ferramentas ao texto comprometido com a cidadania, sempre morrendo de amor pela verdade, praticante que era de uma literalidade absoluta da etimologia de filo sofo. Não bastasse ter no leitor a maior razão de ser de sua profissão, Paulo via naquele que o lia diariamente não apenas um decodificador mecânico de seus signos de linguagem, mas um cidadão querendo ser informado da maneira mais correta e inteligente possível dos fatos da vida social. Para cumprir esse mister com altivez e maestria, Queiroz lançava mão de uma prática indesculpável: a de só lançar na folha em branco o que fosse produto perfeito e acabado de sua lúcida elucubração histórica, filosófica, política, econômica e social, tendente sempre a enquadrar o fato na perspectiva do justo, sem prejuízo da síntese, do conteúdo, da concisão e da clareza. Ele fazia às vezes de alter ego do povo. Sabia ele que por entre as redações jornalísticas circulam, a par dos nobres, os mais inconfessáveis interesses de grupos políticos e econômicos. Certa feita ele disparou: “Qualquer semelhança entre a Prefeitura de Porto Velho e a Granja Solar no epílogo de “A Revolução dos Bichos” pode não ser mera coincidência.” – disse ele, certa vez, citando o escritor e militante comunista George Orwel, o criador da expressão “Big Brother”, hoje popularizada pelo idiota programa da Rede Globo de Televisão. Mas não fez ácidas críticas apenas à administração petista, atacou com veemência e coragem a postura política dos conservadores, dos enganadores, de Ivo Cassol, donadons, deputados estaduais federais e senadores. Ele não tinha medo da verdade, tinha paixão por ela.

Se quando morre o homem fica a fama, no caso de Paulo Queiroz, morre o homem e fica a chama, a pira incandescente e flamejante da decência profissional, da abnegação vocacional incorruptível, da prática jornalística ilibada, humanística, etílica, risonha e simples de um escriba que tinha o rabo preso com o leitor. Em respeito à sua memória, saúdo seus seguidores e correligionários da mesma confraria redacional. Morto, Paulo Queiroz está vivo entre nós.

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Fonte: Antonio Serpa do Amaral Filho / antonio.serpa@trf1.gov.br

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