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Serpa do Amaral

POR QUE BAILA NA CASA DA CULTURA O POVO DE ZUMBI


O povo de Zumbi está em festa na Casa da Cultura. Os ritmos e rituais tomaram de assalto todos os ambientes daquele espaço cultural. Soam os tambores de África, e o afoxé embala os movimentos cadenciados dos filhos de Ogum. Entoam cânticos de candomblé para as filhas de Oxalá, e elas perfumam a atmosfera com essências de mistério e sensualidade. Saúdam também, quem sabe, sem entrar no mérito da crença religiosa, os Johnson, os Shockness, os Macdonald e os David, bem como outras famílias negras que ajudaram a fundar esta Porto Velho.

Mas não é só isso. Entre risos e palmas, desfiles com roupas de cores fortes e bailados tribais, invoca essa gente a memória de um passado de luta, dor e incompreensão.  Invocam também a dignidade perdida no tempo. E convocam todos a lembrar os muitos que tombaram ante a intolerância e a truculência de ideologias e práticas mercantis dotadas de extrema crueldade para com o povo de Obá e Oxossi.  Insinuam, em bailados de capoeira e tambor de crioula, que a paga, pelas elites econômicas e políticas, às chibatadas e humilhações, à exploração e segregações a que foram historicamente submetidos está longe de ter uma justa composição. E não são apenas as elites endinheiradas que devem ao povo de Ganga Zumba, mas o próprio sistema capitalista tupiniquim. O sangue e o suor negros bancaram, com o faturamento de altos lucros nos bolsos dos mercantilistas portugueses, o funcionamento da atividade açucareira em solo brasileiro. Mas não é só isso: o braço do negro africano foi utilizado à exaustão nas diversas atividades econômicas da época colonial e pós-colonial. O próprio homem negro foi tido como bem economicamente valorado e isso deu margem a formação de um mercado irracional e altamente vantajoso para o explorador branco – o tráfico negreiro.

Os tambores dos terreiros de Santa Bárbara e Samburucu não se calaram, apenas deram um tempo para o re-aquecimento do couro ao largo da chama da história. O rufar das tumbas, tantãs e tambores afros emergem na antiga Vila Erse como se o Binho dissesse – Velho Pimentel, veja o que aconteceu, a Estrada de Ferro – dizem – renasceu e o Velho Relógio o tempo percebeu! A consciência é intemporal. A redescoberta dela é que carece de etapas cronológicas para forjar sua edificação. No meio dessa fuzaca africana, ecoam gritos às vezes bonachões, como o do Bola Sete anunciando a loteria federal; às vezes satíricos, como o do Spike tomando uma no Meio-Quilo Bar; às vezes poético, como o do Neguinho Menezes homenageando o Rio-Cidade de São Sebastião; às vezes politizados, como o do Bubu Johnson pregando o Movimento Negro 25 anos atrás; às vezes de resistência, como o do Dadá pregando o comunismo e o Cabeça de Negro; às vezes dolorosos, como o grito dos "barbadianos" que, a troco de nada, doaram suas vidas na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Todos esses gritos compõem a sinfonia tribal de Mestre Bimba.

O povo de Zumbi está em festa na Casa da Cultura. Bailam com alegria para exorcizar as tristes lembranças. Bailam com altivez em reverência aos deuses de África. Bailam com dignidade, convidando o Brasil a construir o verdadeiro Dia da Consciência Negra!

Fonte: Antônio Serpa do Amaral Filho

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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