Terça-feira, 7 de agosto de 2007 - 12h47
O Governo Federal escolheu Rondônia para boi de piranha do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC. Serão gastos cerca de 23 bilhões de reais com a construção das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Se a esmola é grande demais, o santo tem que, por dever de ofício, desconfiar. Desses 23 bilhões, apenas uma merreca vai circular por aqui, porque a parte do leão não vai passar nem perto da ribanceira do velho madeira. E o objetivo do projeto é claro: fornecer energia para as economias capitalistas avançadas do sul e sudeste. Ah, sim, ia esquecendo: vão repassar umas migalhas ao Estado a título de royalties. Espera-se um fluxo migratório de no mínimo 200 mil pessoas para o Velho Porto. Será que com a mixaria dos royalties a administração pública terá cacife e competência para prover as 200 mil pessoas com os serviços de água, luz, saúde, segurança, asfalto, habitação, saneamento, escola, esporte etc? Até Deus duvida! Na relação custo-benefício, a energia vai, e ficam as mazelas sociais: inchaço urbano, violência e exclusão.
Embora escudada por parecer científico de gente séria a serviço do Ibama, e consciente de que a auto-sustentabilidade é tópico de somenos importância no projeto esboçado pelo governo Lula, a Ministra Marina Silva resistiu heroicamente antes de abrir as pernas à sanha de grupos econômicos articulados para desmoralizar as posições técnicas assumidas pela sua pasta ministerial. A boiada do capitalismo selvagem precisa passar a qualquer custo. E, se para o sucesso do empreendimento, se exige o sacrifício de algum exemplar da espécie, que seja o boi de piranha rondoniano, um boizinho chinfrim, que não sabe nem cantar de cor seu hino estadual, e cujas elites, xucras e sempre sedentas de dinheiro fácil, forjaram-se em meio ao processo de ocupação que começou com o surrealista projeto de construção de uma ferrovia no coração da selva, passando pelo circense Acordo de Washington (caracterizado pela pega de arigó no laço e seu embrenho mata-a-dentro como Soldado da Borracha, à mercê das feras e igapós encharcados de anofelinos) e desaguou na jogada de mestre de Golbery do Couto Silva: o Mito do El Dorado a terra prometida, a canaã desbravada por Rondon.
Tendo o governador Ivo Cassol como rei da bravata e do populismo ruralista como medalha de ouro no ranking regional, a Amazônia sempre foi o berço esplêndido do fanfarronismo e do quixotismo tupiniquim. O fantasma de Dom Luiz Galvez de Ária ronda a biqueira do nosso quintal como uma praga de sogra lançada em sexta-feira treze. Não precisamos nos embebedar de Miguel de Cervantes para curtirmos em desatino um porre de parvoíces. Aliás, ninguém melhor que Cassol para simbolizar o abestalhamento e aviltamento de uma elite que veio pra cá puxando uma cachorrinha, enriqueceu da noite pro dia, leu muito pouco ou quase nada, mas fala de progresso com um simplismo alienante e efervescente de fazer inveja aos velhos demagogos da Grécia antiga. E é com esse simplismo rastejante que ele comanda, da direita à esquerda, o bloco pró-usina, vendendo ao povo a ilusão de que vai ter dinheiro pra todo mundo, todo mundo vai se dar bem e que as hidrelétricas farão o povo feliz. Esse engodo discursivo foi utilizado, no século passado, pelos coronéis dos seringais durante o Ciclo da Borracha. Foi usado também no Tratado de Petrópolis, quando convenceram a elite pacenha de que era um bom negócio receber 2 milhões de libras esterlinas pelo Acre e ganhar uma ferrovia de graça para escoar riquezas. Em 1912, a Bolívia já não tinha nenhuma das três coisas: nem o território do Acre, nem riqueza para escoar e nem as libras esterlinas, que acabaram sendo usadas para indenizar os sindicatos norte-americanos, inquilinos dos seringais bolivianos. Desse ciclo econômico a única coisa que ficou foi o Teatro Amazonas, cujos sábios europeus, embevecidos com a teoria de era impossível haver civilização nos trópicos, desconfiavam ter sido obra de ETs.
Em meio a Segunda Guerra, o aluizismo getulista constrói seu discurso falacioso para subsidiar o afamado projeto Soldado da Borracha. Da empreitada insana ficaram apenas dor e desesperança, e meia-dúzia de decrépitos combatentes mendigando como esmoléu, nos foros, suas aposentadorias. Do garimpo de cassiterita, ficaram os danos ambientais e muito dinheiro no saldo bancário de multinacionais. Da epopéia do garimpo de ouro, sobraram 150 toneladas de mercúrio lançadas no rio marcado para morrer como chegou a anunciar a Folha de São Paulo. E da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, o que ficou? Ficou o Cai N'água e seu eterno terceiromundismo, ficaram lembranças, galpões com resquício de memória e muito ferro retorcido ao longo dos trilhos metáfora cínica a desdenhar da nossa dignidade e de toda nação Karipuna, trucidada a troco de nada, sem honra nem glória. Para acomodar interesses de nações, instalou-se a Estrada de Ferro no coração da selva. Com ela, veio o homem. Com o homem, o amontoado, que se fez vilarejo, casario e, posteriormente, a cidade. Cosmopolita, por sinal, feito uma babel de inúmeros falares, múltiplos costumes, culturas e anseios. Iniciou-se, então, o inexorável processo civilizatório às barrancas do pachorrento Rio Madeira - testemunha silenciosa da luta entre o homem e a natureza hostil, entre o homem e o homem, dizimando a nação Karipuna; entre o homem e a peste, vitimando milhares de combatentes de um exército ensandecido e quixotesco, comandando por Percival Farqhuar. Desse amor em desatino, do Homem pela Estrada, nasceu o rebento Porto Velho.
O bizarro exército transnacional edificou para a posteridade uma ferrovia fadada ao fracasso, erguida para agradar gregos, troianos, bolivianos e a bolsa de Nova Iorque. Indo de nenhum lugar para lugar nenhum, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré é o símbolo maior do quixotismo Guaporé. Findo o empreendimento, em 1912, todos se perguntavam: e agora, José? Não veio a utopia e tudo acabou, não existe borracha, a poronga apagou, o crédito se foi, o seringalista blefou, o dinheiro sumiu. A noite esfriou e o dia da redenção não veio.
O boi está pronto para o sacrifício. A miopia mercantilista da classe dominante amazônida a postos. Vai começar um grande espetáculo da terra: o maior desastre ecológico brasileiro. E caravana vai passando enquanto os cães fingem que ladram.
Antônio Serpa do Amaral Filho
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