Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Serpa do Amaral

Samba, Mulher e Cerveja no 08 de março do Mercado Cultural


Antônio Serpa do Amaral Filho

Foi uma noite memorável a comemoração do Dia Internacional da Mulher no Mercado Cultural, localizado no centro histórico de Porto Velho, defronte ao Palácio Presidente Getúlio Vargas. De propósito, deuses e deusas da mais rica musicalidade tupiniquim ali marcaram encontro com um único objetivo: festejar o dia em que todos rendem homenagem à beleza, à espiritualidade, à coragem, criatividade, garra, talento, trabalho e luta das mulheres de todo o mundo.

Ernesto Melo e a Fina Flor do Samba, como manda o figurino do eterno cavalheirismo não-machista, como se diz em linguagem cinematográfica, apenas serviram de escada para que as verdadeiras estrelas e donas da noite pudessem mostrar todo o brilho do essencial feminino: as mulheres, claro. Sintonizadas no diapasão de que mulher objeto de cama e mesa é coisa do passado, as artistas mostraram ao público e aos marmanjos conservadores com quantos paus se faz a canoa da sensibilidade e do talento artístico das filhas de Simone de Beauvoir. Não nasceram mulheres, tornaram-se.

Rose Abensur deu o ponta-pé inicial no reinado das mulheres no principal palco da roda de samba na capital. Sob os olhares boquiabertos dos freqüentadores do Bar do Zizi e Café com Arte, com sua inoxidável flauta transversal, embevecida de magia, cativante tonicidade e competência técnico-instrumental de sobra, ela temperou com tucupi e pimenta malagueta o partido alto de Hudson Mamed, Orismilde Miranda, o Cabeça, e Joãozinho Carteiro. Desafiou o pandeiro de Walber Cordeiro para duelo em solo rápido, na execução de “Brasil Pandeiro”, de Assis Valente, um samba prestíssimo, a duzentas batidas por minuto, e quase deixou toda a Fina Flor do Samba falando só, enquanto um turbilhão de notas musicais explodiam no ar feito fogos de artifício. Atônitos, o violão de sete corda de Nicodemos e o cavaquinho do capitão Ney suaram a camisa para dar conta do recado. O susto só passou quando Célia Ferreira mostrou musicalmente que nem todo Bêbado é equilibrista na dança da solidão de seu altar particular. A paraibana Gerislândia de Souza, ex-Big Brother Brasil 4, cantando a peça “Que Será”, dentre outras graciosas performances, reinventou o repertório de Dalva de Oliveira e se consagrou como a revelação da noite. Acostumada às camas de hospital, é cantando que a enfermeira Géris se sente realizada – diz um blog da net. A manauara Priscila Alencar cantou e sambou da largura da boca, contagiou o ambiente com sua voz poderosa e afinadíssima e mostrou porque é a charmosa musa dos Anjos da Madrugada.

Havia tempo bom com poesias passageiras, mas outras estrelas, no entanto, ainda estavam por vir, e vieram grávidas de Paulinho da Viola, cheias de ginga e com muito amor do coração: as Pastoras da Escola de Samba Asfaltão. Politizadas e com discurso de quem sabe dizer aos pagodeiros que o mundo do samba não é território exclusivo de machos, as belas caboclas guaporés sacudiram a platéia ao servir um menu musical de primeira qualidade, inclusive interpretando “Açaí, o néctar dos Deuses” - samba-enredo campeão dos velhos e saudosos carnavais. O palco do Mercado Cultural, então - que desta vez esteve bem produzido pela nova administração da Fundação Cultural Iaripuna -, sacudiu a poeira da alegria e todos bailaram ao toque dos tantãs, surdo, banjo e pandeiro como se a quizomba fosse verdadeiramente nossa única Constituição. Os instrumentistas Hernandes Padoca, Ênio Ricardo e José Áureo comemoravam nos bastidores a feitura da maior e melhor roda de samba até então realizada naquele espaço cultural. E acabou em chorinho, mais uma vez executado na flauta mágica de Rose, e não em pizza, aquele espetacular módulo artístico do projeto Fina Flor do Samba, como uma declaração de amor a quem se deve todo o amor desse mundo: à mulher brasileira!

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoQuinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Diálogos insanos da pandemia

Diálogos insanos da pandemia

No infortúnio da solidão atroz, o jeito é quedar-se nu com a mão no bolso, olhando para as impassíveis paredes que miram, espiam a gente até de rabo

Um dia da caça, outro dos “povos novos”, de Darcy Ribeiro

Um dia da caça, outro dos “povos novos”, de Darcy Ribeiro

Num primeiro voo de radiofusão para além das plagas amazônidas, a Música Popular de Rondônia começou a ser mostrada na Rádio BBmusic, da cidade Búzi

As lágrimas internacionais que choraram a morte do poeta

As lágrimas internacionais que choraram a morte do poeta

A democracia voltou a ser ameaçada no país cujo nome é uma homenagem a Símon Bolívar, o Libertador das Américas. Com essa última quartelada, já são

 Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Apesar do vazio cultural, da perda irreparável para o humanismo e para a criatividade brasileira e do profundo incômodo emocional provocado pela par

Gente de Opinião Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)