Sexta-feira, 31 de julho de 2009 - 20h51
Antônio Serpa do Amaral Filho
Foi uma trova de Reis, com pompa e circunstância. Sílvio Santos, Ernesto Melo e Bainha levaram ontem (30.07), ao palco do Teatro Municipal Banzeiros, no centro de Porto Velho, o espetáculo musical “Trinca de Reis”, patrocinado pelo projeto Quinta Cultural, do Banco da Amazônia/Basa, e operacionalizado pela Fundação Cultural Iaripuna.
Se verdadeiro o adágio popular que diz que “quem foi rei sempre é majestade”, então não há como negar: os sambistas são mesmo os três reis magos da cultura popular de Rondônia. Seus colegas e antepassados, Baltasar, Melquior e Gaspar levaram ouro, incenso e mirra ao Cristo Menino. Sílvio Santos, Ernesto Melo e Bainha, reis beradeiros, sem castelo e sem coroa, ofereceram, sem nenhuma modéstia emocional, seus corações à cidade de Porto Velho. No descortino do repertório que apresentaram, ficou claro que eles aprenderam com Noel Rosa que o samba, na realidade, não vem do morro nem lá da cidade, mas nasce dentro do coração, tendo nascido para os reis tupiniquins nas noites eternas, do Triângulo ao Kilômetro Um, do Caiari ao Santa Bárbara, quando todos eles, ainda muito jovens, andavam a tira colo com Jorge Andrade, Paulo Santos, Wálter Bártolo, Manga Rosa, Nego Velho e Sabará. São reis menestréis, de origem plebéia, vassalos da lua até altas madrugadas, servos da emoção e filhos da noite de uma provinciana Porto Velho que na década de 60 só ia até a rua Presidente Kennedy, hoje Avenida Governador Jorge Teixeira. Juntos, em uníssono diapasão, falam de um tempo em que eram felizes e não sabiam.
Sílvio Santos abriu a mostra musical do reinado homenageando a Bando do Vai Quem Quer, o maior bloco carnavalesco da Amazônia Ocidental. Beradeiro de São Carlos, mas apaixonado pela sua cidade de criação, ele viajou nas asas das calendas de antanho e pinçou poeticamente para a platéia um bico de pena de uma cidade do porto em que, na beira do rio Madeira, ao invés de canoas, já surgiam chatas, navios cargueiros de alto calado. Acompanhado por nove excelentes músicos, ele passou pelo bairro Caiari (Catega Caiari - 1995), mostrando porque é considerado um dos nossos melhores compositores de samba. Em Trem Fluvial, sapateou xote e balanceou xaxado, deixando claro que nós recebemos do sangue nordestino uma boa dose de lirismo e gosto pela folia. Amo de boi que não dá colher de chá para o terreiro do contrário, investiu-se da patente de Amo do Corre Campo, conquistada ao longo dos seus 50 anos de carreira na tropa do batalhão cultural, e serviu uma belíssima toada à moda da casa. Com a batida rítmica de Parintins, é verdade, porém bem posta e temperadamente compassada. Nostálgico, lembrou de Babá, sambista já falecido, com que compôs várias canções, das viagens de trem para Jaci-Paraná, Abunã e Guajará-Mirim pelas lendárias composições da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, e em seguida abriu alas para a performance do mestre Bainha.
Bainha, que de batismo recebeu o nome de Waldemir Pinheiro da Silva, nasceu no Forte Príncipe da Beira e se criou onde ele mesmo diz, “eu sou da 7 de Setembro/lá do Kilômetro Um/terra de gente bamba/de muita mulher, futebol e samba”, também iniciou seu reinado musical rendendo tributo à Banda do Vai Quem Quer, ao Galo da Meia Noite, cordão carnavalesco para o qual fez várias marchas, ao seu bairro e ao saudoso Babá (Sebastião Araújo da Silva). Bainha, filho de Dona Marieta, é o mais velhos dos reis: 7.0 (e, em agosto deste ano, mais precisamente dia 11, completará 71 anos de idade e robusta majestade). No palco, com uma boa dose de negritude nas veias, o decano dos sambista rondonienses não contou conversa fiada, chamou a cozinha à ordem e entoou alguns dos seus melhores sambas, parando apenas para chamar um outro rei ao palco: Ernesto Melo, o sambista do Mocambo.
Foi dele o momento de maior emoção da noite. Feito menino, chorou no palco, durante sua apresentação, emocionado com sua própria obra: Porto Velho Meu Dengo, samba vencedor do Festival Aberto de Música do Sesc. Comovido com as lágrimas do poeta da cidade, o público imediatamente o socorreu e passou a cantar aquele samba, como se o show fosse da platéia para o criador da peça musical vitoriosa e ufanista. Os reis têm saudade. Mas o que parece senti-la com maior intensidade, a ponto de preferir quase sempre o tom menor, com sua inexorável atmosfera de nostalgia, é o compositor e intérprete Ernesto Melo. Sua moldura rítmica e melódica, antes de se colocar pura e simplesmente a serviço da alegria e da descontração, serve, sim, de guia turístico numa viagem ao túnel do tempo, onde habitam pessoas, fatos e lugares de uma época pretérita, que, no discurso poético do artista, são declaradamente nomeados para que o povo não esqueça seus personagens, sua memória e suas marcas existenciais cravadas no tempo histórico. Não se esqueça, por exemplo, que o Morro do Querosene veio abaixo e hoje não tem Baixa da União por ação do 5º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção). “Se o tempo da boemia passou, quero que passe o tempo dos generais”, disse ele exorcizando o fantasma da Ditadura Militar que se instaurou no Brasil em março de 1964. Para Ernesto Melo, lembra é preciso, viver não é preciso. Daí a longa lista de nomes de pessoas que emergem das suas criações, bem como os sítios nostálgicos (Bancrévea Clube, Ypiranga, Clube Imperial, Bar do Zizi, Bar do Casemiro, Praça Marechal Rondon e tantos outros) com os quais ele entrelaça a saudade que tem de um tempo que não volta mais, lamentos, suspiros, amores, costumes, lembranças, paixões, perda e ganhos, bares e boêmios, alegrias e tristezas, passado e presente, como se dentro do poeta morasse um bêbado e um equilibrista querendo andar na mesma corda bamba. São as antíteses barrocas da música popular karipuna!
No olho do furacão da sua página histórica mais caótica e decisiva, Rondônia precisa colocar esses reis não apenas no palco iluminado, mas principalmente na estrada da vida para que eles visitem e cantem em todos os recantos deste Estado e sirvam ao povo o melhor que têm dentro de si: um vendaval de paixão e amor pelas coisas de sua gente. Salve Bainha, Ernesto Melo e Sílvio Santos, os Reis Trovadores de Porto Velho!
Fonte: Antônio Serpa do Amaral
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