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Serpa do Amaral

UM DOS ÚLTIMOS GRANDES COMUNISTAS HABITA ENTRE NÓS


 
Por Antônio Serpa do Amaral Filho
 
 

UM DOS ÚLTIMOS GRANDES COMUNISTAS HABITA ENTRE NÓS - Gente de Opinião

Professor Clodomir de Morais

(*) veja a trecho da Carta de Paulo Freire a Clodomir Moraes
 
TRECHO DA CARTA DE PAULO FREIRE A CLODOMIR MORAES
(companheiro de prisão de Paulo Freire, em um quartel de Olinda):
Lembrando os ensinamentos da prisão
 
Clodomir, velho de guerra,
amigo-irmão,
nas minhas conversas comigo mesmo sempre lembrado;
nas minhas conversas com outras gentes,
nas minhas memórias de nossas "férias" passadas
juntos, no R-2, lá em Olinda, lembro sempre.
Amigo-irmão, velho de guerra,
que me ensinou, com paciência, como viver entre paredes;
como falar, com coronéis, jamais dizendo um aliás;
que me ensinou a humildade, não só a mim,
também aos outros que lá estavam, na prisão
grande da bela Olinda, não com palavras que o vento leva,
mas com exemplo - palavração!
que me contou estórias lindas de Pedro Bunda e
seu irmão - "pencas de almas" dependuradas
em fortes troncos, na solidão;
soldados alemães desembarcados no São Francisco.
que me falou, com amor tanto, de seu povo
lá do sertão, de seus poetas, de seus músicos, de seus maestros.
Clodomir, Clodomiro, velho de guerra,
amigo-irmão, sempre lembrado, agora, de longe,
de bem longe, te mando a ti, a Célia e aos que de ambos já chegaram,
uma penca enorme de abraços nossos.

Paulo
Genèvre, 16/01/1975



Clodomir Santos de Morais, um dos últimos grandes comunistas da safra de sonhadores e militantes de esquerda do país, vive hoje em Porto Velho. Aos 81 anos, o ex-homem forte do Partido Comunista Brasileiro junto às Ligas Camponesas é hoje um pacato consultor da ONU e professor de Sociologia na Universidade Federal de Rondônia. Com ele aprendemos, no seu “Dicionário de Reforma Agrária”, que greve, no Brasil, significa uma forma de luta do proletariado, e que, na hispano-américa, além da “huelga”, a clássica paralisação do trabalho, existe ainda a “huelga de brazos caídos”, que é a paralisação de corpo presente na empresa; “huelga de tortuga”, o trabalho desenvolvido em ritmo lento; a “huelga econômica”, a luta por ganhos salariais; a “huelga general”, que abrange todas as categorias de trabalhadores, e muitas outros tipos de “huelga”.

Comunista de alto calado e combatente de nobre estirpe, com direito a curso de guerrilha feito em Cuba, o Doutor Clodomir é um nordestino nascido em Santa Maria da Vitória, Bahia, terra que muito cedo lhe deu régua e compasso para que ele, ainda muito jovem, iniciasse sua perambulância pelo mudo afora. Foi, por exemplo, Conselheiro Regional da ONU para a América Latina em Assuntos de Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural. Monstro sagrado da esquerda nacional, formou-se em Direito no Recife e fez doutorado em Sociologia da Organização na Alemanha. Além disso, tem no seu currículo o registro de especialista em Antropologia Cultural, professor conferencista nas Universidades de Berlim (Alemanha), Winsconsin (Estados Unidos) e em várias universidades mexicanas, como também em universidades de países da América Latina; foi pesquisador da UNCTAD, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, consultor do PRONAGER – Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda e é autor de 20 livros, sendo alguns deles traduzidos em vários idiomas, e tem ainda outras 33 publicações em jornais, diários e periódicos.

Humanista de boa cepa, o professor Clodomir escolheu o socialismo como sua bandeira de vida e de morte. O comunismo é sua utopia predileta, da qual ele não nunca abriu mão, nem mesmo nos momentos em que foi preso e torturado. O Muro de Berlim caiu. Mas sua meta política continua de pé. Ultimamente ele tem peregrinado, doente, por quartos de hospitais em Porto Velho, mas sem perder a ternura jamais, pois assim que tem um surto de melhora pode ser encontrado prestando assessoria a organismos da ONU, ou simplesmente fazendo palestra ou ministrando cursos em países da América do Norte, Central ou Europa. Semear esperança é hoje sua principal atividade social.

O velho comunista é um militante jurássico, daqueles exemplares que hoje se conta nos dedos das mãos, remontando a época em que o mundo se equilibrava na corda bamba estendida entre dois blocos hegemônicos: o bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América, e o bloco socialista, encabeçado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Durante a Ditadura Militar que se instalou no país a partir de março de 1964, ele atuou, ao lado do lendário Francisco Julião, nas chamadas Ligas Camponesas, organização política do campesinato nordestino que teve origem na década de 1940 e que, na sua formação, contou com a participação de vários membros do PCB. À revelia de Julião, ele fez opção pela luta armada no campo, como instrumento da ação revolucionária - talvez por esse motivo tenha sido perseguido pela polícia ideológica e expulso do Partidão em 1962. Todavia, como se sabe e como apostou o bruxo Golbery do Couto e Silva, não houve resistência ao golpe de 64, o governo de João Goulart caiu, como cai um castelo de areia à beira da praia e o poder foi parar nas mãos dos generais-presidentes. Clodomir tem no seu currículo um mandato de deputado pernambucano pelo PCB, claro. Esteve preso com o famoso educador Paulo Freire (*) que lhe dirigiu carta dizendo, dentre outras coisas: “amigo-irmão, velho de guerra, que me ensinou, com paciência, como viver entre paredes, como falar, com coronéis, jamais dizendo um aliás, que me ensinou a humildade, não só a mim, também aos outros que lá estavam, na prisão”. Além de ter ficado preso durante dois anos, amargou também 15 anos de exílio. Durante o período em que esteve preso, escreveu alguns contos, entre eles “Causos de Sentinela”, “Pedro Bunda”, “O Ladrão da Calça de Casimira” e “Mestre Ambrósio”. No ano passado esteve em Brasília para ser agraciado com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, na categoria à Pobreza.

O produtor do documentário “Caçambada Cutuba”, jornalista Zola Xavier, juntamente com sua companheira Myriam Queiroz, vem fazendo uma série de entrevistas com o professor Clodomir Morais com o objetivo de futuramente disponibilizar o material cenográfico para o Museu da Memória Política que será construído em breve na capital. No leito do hospital Prontocor, ao dar entrevista a Zola, um par de olhos brilhava, fitando com orgulho o entrevistado. Era Jacinta Castelo Branco, trinta anos mais nova que o lúcido combatente, esposa e fiel escudeira de Clodomir, que não esconde a admiração e o amor que tem pelo seu companheiro de longas jornadas. Mestra em comunicação social e doutora em ciências Agrárias/Comunicação Rural pela Universidade Autônoma de Chapingo, no México, ela é professora de Português na Faro e revisora de textos da Universidade Federal de Rondônia.

Tendo iniciado muito cedo sua militância, já em 1954 Clodomir fazia seu primeiro curso, denominado “Stalin”, um preparo de formação para militantes do Partido Comunista Brasileiro. Desde então se apaixonou pelo sonho de ver construída, no Brasil, uma sociedade livre, justa e solidária. Político no sentido radical, ele, apesar da idade avançada, 81 anos, dedica sua inteligência, sabedoria e conhecimentos às causas da pólis, tentando atingir seu elemento mais importante: o homem. Um humanista jurássico dessa magnitude é uma pérola perdida em meio ao vendaval de falácias, picaretagens e planos fanfarrônicos postos em práticas hoje nesta Rondônia escalada para ser boi de piranha do capitalismo nacional. Como diria Jacob Bazarian, se os poucos que sabem muito não ensinarem os muitos que sabem pouco, então todos nós poderemos ser vítimas da ignorância e da servidão.

Assistir um velho combatente do naipe de Clodomir Morais dar entrevista em leito de hospital, falando como quem sabe faz a hora e não espera acontecer, é ver a história falando por si só e reatando seu antigo compromisso com a vida. John Lennon que me desculpe, mas, vendo e ouvindo ao vivo e em cores o professor Clodomir Morais falar, concluo o óbvio: o sonho não acabou, porque um dos últimos Grandes Comunistas habita entre nós.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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