Quarta-feira, 20 de maio de 2015 - 16h35
O título quer dizer que a atuação constante de medidas excepcionais – não convencionais – de força, jurídicas, econômicas e ideológicas provocam rupturas no sentido geral da regularidade, subsumida na vida civil, e no funcionamento do sistema político e econômico.
Para que essas rupturas na sejam mais drásticas, há inclusão dessas regras de força/coerção excepcional (moral e física) com previsão legal – e disso decorre a sensação de normalidade que o cidadão comum sente e observa, mesmo diante de ações violentas contra os direitos fundamentais.
Em geral, a aceitação do uso/abusivo da força/coerção indica a incompreensão do processo como um todo. Quando, em verdade, os cidadãos têm suas vidas geridas por meios excepcionais e não-convencionais de controle social – e raramente se dão conta; ou, em outros termos, trata-se de controle social legalizado e atuante por meios excepcionais (e, como tais, abusivos e desrespeitosos com o direito e as garantias de liberdade).
Tanto no plano internacional quanto interno, a aplicação de técnicas e de táticas não-convencionais pelas polícias (típicas de exceção: Comandos) e o estado beligerante, eufemisticamente chamado de Guerra Limitada ou guerra restrita, confirmariam ao revés uma condição de guerra total. A condição de beligerância não seria mais localizada e, ao contrário das guerras convencionais, seria de baixa intensidade (Virilio, 1996).
Em todo caso, não se sabe ao certo o que é guerra (i)limitada: talvez seja limitada a um recinto geográfico (território: favelas, comunidades), talvez refira-se a um contingenciamento étnico-racial e social (guetualização, marginalização e repressão periférica) e, talvez, ainda seja a minimização do custo/morte (mendigos, pobres, negros, traficantes).
Pode-se dizer que estamos em guerra, mas sem o necessário esforço de guerra, ou seja, o parque industrial não foi convertido em suporte da própria indústria bélica. As montadoras de automóveis, ainda, não produzem (sob encomenda do Estado) tanques e blindados, apenas carros de passeio e caminhões. Entretanto, o que dizer da compra de carros de assalto apelidados de “super-caveirões” pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, de Israel, ao custo de 30 milhões de reais cada um?
Guerra de conquista de território
Se não convertemos nosso parque industrial (como fizeram os nazistas alemães), é porque outros países já o fizeram, como o Estado de Israel. Isto sugere a crença (ideologia) de que, apesar de 50 mil mortes/ano, o país ainda viveria sob uma sublime ideologia de harmonia social. Nem no Iraque e na Síria, acossados pelo Estado Islâmico, morre tanta gente, no mesmo período.
Mesmo com a somatória desses possíveis efeitos – em tese, em se tratando de expressão de Estado-Maior –, não se caracterizaria um estágio de guerra civil. No entanto, sob com o aforismo de Guerra Limitada (quem sabe o sucedâneo de conflitos assimétricos de rua de baixa intensidade), o que dizer da constante, perene intervenção militar nas encostas e periferias (favelas, comunidades) do Rio de Janeiro?
Se precisamos conquistar um território (que nunca foi tido regularmente pelo Estado) é porque a própria noção de território é equivocada: o território nacional sempre foi descontínuo. Como se sabe, a partir de consideráveis manuais de Teoria Geral do Estado (Fleiner-Gerster, 2006), uma das modalidades de formação do Poder Político ocorre mediante a conquista e a anexação territorial.
Sob esta premissa, o Brasil está em plena formação, seja por meio da ocupação e do adensamento nas áreas de fronteira verdade (especialmente o norte da Amazônia), seja na invasão de áreas residenciais periféricas de grandes centros. O Rio de Janeiro é um exemplo, pois cidades interioranas apresentam problemática semelhante, apresentando conjuntos residenciais (periféricos) controlados por grupos de traficantes.
Afinal, se a polícia vai atrás de conquistar um território (de que nunca tomou posse, por desinteresse econômico), com a ajuda de blindados e armas de grosso calibre (metralhadoras .50), capazes de perfurar outros blindados (em caso de conflitos de guerra declarada), não é de se supor que se trata de guerra por territórios?
Não é patente demonstração de que estamos em meio ao fogo cruzado da retórica estatal (tecnicista) e emboscados pela artilharia das facções, seitas, esquadrões da morte, milícias (no RJ) e partidários do crime institucional (PCC/SP)?
Neste caso, não é o emprego de blindados, da retórica ou dos eufemismos que precisamos. Mas, sim, de ações que nebulizem a produção diária de um imenso contingente social desesperançado e desesperado em luta pela sobrevivência diária. É este mais de um milhão de banidos da vida econômica que serve de exército social de reserva ao crime (des)organizado.
Se é guerra civil – como os dados não poderiam ser refutados nem pelo mais otimista e ingênuo pacifista – ou se é Guerra Limitada a um grupo dileto e predileto da população (negros e pobres), o fato é que a linha de transmissão e de alimentação do crime atávico só será desfeita com dignidade social.
Da insegurança social à exceção político-jurídica
A exceção não provoca descontinuidade da regra, uma vez que é parte constante (latente, como é o caso da previsão do Estado de Sítio) ou ativa (em muitos aspectos da legislação infraconstitucional). Porém, a sensação de que meios de força excepcionais poderão ser utilizados a qualquer tempo – como se houvesse um sentimento prévio de suspensão da regularidade social e política –, certamente, atua para o desconforto e a descontinuidade da normalidade que já nutria a regra de exceção.
Não é uma questão psicológica – que cada um pode apresentar mais ou menos –, neste âmbito, é puramente ideológica, no sentido de que se vê ou não a previsibilidade e a incisão das regras de exceção e do modo, como, diariamente, no plano funcional (assegurado pela edição constante de regras infraconstitucionais), a exceção é ativa.
Também não se trata de mera questão jurídica – restrita ao plano estatal – uma vez que a edição de regras de exceção suprime direitos fundamentais e, portanto, investem contra a vida civil e a organização da sociedade: a Lei Antiterror, dormente no Congresso Nacional, pode ser ativada a qualquer tempo.
Portanto, a descontinuidade com o presente (para benefício de poucos) nivela um futuro excludente para milhões de brasileiros e bilhões pelo mundo todo.
Bibliografia
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
VIRILIO, P. Velocidade e Política. São Paulo : Estação Liberdade, 1996.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de