Quarta-feira, 2 de dezembro de 2015 - 11h09
A liberdade só existe na organização social, liberta do estado de natureza (Hobbes, 1983). Nas sociedades modernas, associou-se a liberdade ao direito ou, mais precisamente, tem-se que o direito é a máxima garantia (coerção) à liberdade.
Esta liberdade organizada, por assim dizer, equivale à racionalidade que se encontra no próprio poder que garante o direito: o Estado. Trata-se de uma liberdade positiva, pois que se traduz em direito positivado, atestado e assegurado pelo Poder Político. Desse modo, também pode-se dizer que se trata de uma liberdade instituída pela organização institucional, onde o direito expressa a institucionalização da liberdade política: contrato social e político.
Sob o liberalismo, essa construção jurídica está voltada, por exemplo, à liberdade de comercializar: comprar e vender, livremente ou com a mínima regulação estatal. Para o direito punitivo, o cerceamento à liberdade (prisão) é a pena mais grave, pois que retira a natureza do homem, que é tanto a liberdade natural (do estado de natureza) quanto é a liberdade construída socialmente.
A alternativa à restrição da liberdade seria, por exemplo, a obrigação de (re)fazer, de (re)construir o laço social ameaçado, esgarçado[1]. É desse modo, portanto, que se associa em demasia o direito aos seus aspectos formais, ao Estado, às leis, à racionalidade política como extrato do Poder Político legislador.
A racionalidade do direito se expressaria, neste sentido, na liberdade limitada pelo próprio direito – que a assegura, como “direito à liberdade” –, e que é vigiada pelo Estado instituidor de direitos. Esta ainda seria a base lógica para a coerção (“forçar à liberdade, os não-libertos”), tomando-se a coerção como meio e fim: como fim, preserva-se a organização social e a liberdade positiva; como meio, é a força que obriga o direito à liberdade.
Esta lógica ou dinâmica está expressa, por sua vez, na obrigação de cumprir o pacto político decorrente do sufrágio universal (“eleições livres”) e que fora contratado, em comum acordo, por duas ou mais partes em liberdade e igualdade de decisão: pacta sunt servanda. “Obrigação de cumprir o pacto”.
Nesta construção da liberdade capitalista – comprar e vender livremente, obrigar-se a honrar o compromisso comercial –, a liberdade que se assegura por lei e que é de direito (salvo os não-libertos na mente ou fisicamente: incapacitados ou detidos) decorre do papel essencial garantido à mercadoria: expressão maior do direito de dispor livremente. Mas, o simples acordo não gera obrigação, salvo se tutelado pelo poder – nesta que tem sido a lição que respira do direito romano:
O simples acordo de vontade (pactum, conuentio) não gera obrigação, sendo tutelado, não por uma actio, mas, indiretamente, por uma exceptio: daí a máxima nuda pactio obligationem nom parit, sed parit exceptionem (o pacto nu não gera obrigação, mas, sim, exceção. Portanto, contrato e acordo de vontade (pactum, conuentio)não se confundem no direito clássico (Alves, 1979, p. 128-129 – grifo nosso).
Para o sentido presente, de obrigação política frente ao Estado, pode-se dizer que esta distorção substituindo acordo por contrato é a própria fundamentação da natureza jurídica do espírito de exceção que se apoderou do direito: exceptio. Assim, toda forma de exceção será validada mediante a possibilidade (real ou presumida) de que a liberdade positiva seja ameaçada em sua condição de artefato construído socialmente/juridicamente como garantia da organização social.
Por fim, aí se vê como se confundem, de fato, não apenas acordo (pacto) e contrato, mas acima ou, antes de tudo, ordem e organização social. Ou seja, o direito à liberdade ressurge como desiderato da ordem estabelecida; para sua garantia e segurança os recursos extraordinários da exceção passam a ser legitimados como recursos da ordem pré-estabelecida. No ápice da conjugação ordem (ordinário) e extraordinário são naturalizados, interpretados naturalmente como equivalentes.
Acordos de delação premiada, portanto, são utilizados naturalmente, livremente, pela autoridade coatora com fundamento em um suposto contrato republicano (hobbesiano). Quando na verdade, trata-se de um recurso excepcional, extraordinário da força coercitiva. Isto é, acordos desse tipo pertencem ao estágio da exceção que preserva uma ordem igualmente pré-estabelecida pelo direito à liberdade capitalista.
Bibliografia
ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. Rio de Janeiro : Forense, 1979.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Col. Os Pensadores. 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1983.
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