Domingo, 10 de fevereiro de 2013 - 05h44
A inversão social nas marchinhas de carnaval[1]
A criação literária revela uma objetividade ao real e com o carnaval não seria diferente:
Uma, duas vezes por semana, a cuíca ronca no morro, onde se elabora a fornada nova de sambas que a cidade vai ouvir durante o carnaval. Essa elaboração, porém, não se faz toda nas casas de madeira e lata: começa aí, mas a segunda fase da produção realiza-se na planície. O morro vende matéria prima e compra mercadoria – dá ritmos e sentimentos, recebe obras musicadas, literatizadas, impressas em folhetos, expostas no disco e no rádio (Ramos, 2005, p. 307 – grifos nossos).
O eterno Graciliano Ramos, em crônica jornalística de 1941, retrata duas marchinhas de Carnaval - Aurora, de autoria de Mário Lago, e Seu Oscar de Ataulfo Alves - da década de 40, imaginando os personagens em outra realidade social que não a sua originária, e se utilizando largamente da licenciosidade literária e de figuras de linguagem.
Na crônica, é clara a clássica inversão social propiciada pelo carnaval. Graciliano Ramos aborda a metamorfose e as trocas sociais entre as personagens de relevo social. Imagina em sua ficção que personagens já fictícios, uma vez que retrata duas músicas de carnaval, trocariam de funções sociais, assim como de classes sociais, porque moradores do morro – na música original –, posteriormente, tornar-se-iam residentes típicos de classe média.
As personagens figuram como entes sociais: Seu Oscar e Aurora são nomes de marchinhas de carnaval, mas na crônica corporificam possíveis moradores do subúrbio carioca e simbolizam o povo brasileiro em sua angústia cotidiana em sua eterna aspiração por mudança social.
A relevância social do carnaval está na análise social que se revela embaixo das fantasias. O mais emblemático disso tudo é que esse mesmo tema social do carnaval foi abordado/reinventado na década de 1990, pelo carnavalesco Joãozinho Trinta, no Rio de Janeiro, com a escola de samba Beija-Flor. Sob o tema Ratos e Urubus, trazia meninos pobres das comunidades cariocas que representavam exatamente a si mesmos, além do Cristo Redentor caracterizado de mendigo.
Uma questão básica reflete a realidade e nos faz pensar sobre as formas de sombras que escurecem a consciência adormecida. Afinal, a ficção social pode ser ainda mais perturbadora do que a inércia social que vemos na base do carnaval de negócios?
Bibliografia
RAMOS, Graciliano.Aurora e o seu Oscar. IN: Linhas Tortas. Rio de Janeiro-São Paulo : Record, 2005.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
[1]Pesquisa na Internet - As marchinhas de carnaval são crônicas da vida social: “Crônicas urbanas, elas tratam normalmente de temas cotidianos. Histórias do dia-a-dia dos subúrbios cariocas. Por muitas vezes, tinham conotação política. O ambíguo, o duplo-sentido, era muito explorado. Uma forma de dar leveza a temas que não eram assim tão "leves". Entre as muitas músicas, que até hoje estão no imaginário popular brasileiro, vale destacar Touradas em Madri, de João de Barro e Alberto Ribeiro, composta para a Guerra Civil Espanhola, que teve início em 1936; Chiquita Bacana, de João de Barro e Alberto Ribeiro, lançada em 1949, era uma interpretação muito particular do existencialismo, mas que não se referia propriamente às idéias de Jean-Paul Sartre”. Veja-se em: http://cifrantiga3.blogspot.com/2006/04/marchinhas-de-carnaval.html.
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