Domingo, 17 de março de 2013 - 11h23
Uma forma típica de se entender a legitimação do Poder Político é a partir da própria consciência com que pautamos a produção/existência do direito positivo como marco na vida civil da imensa maioria das pessoas. O Estado é uma abstração jurídica – tal qual é o direito uma ficção – que decorre de uma realidade política. Diante da necessidade de se organizar politicamente uma realidade social prévia, criou-se a abstração jurídica (a ideia) de que seguindo as regras a vida comum seria mais fácil. Neste sentido, a legitimação a partir da norma fundamental proposta por Kelsen ganha destaque:
A norma fundamental tem numa teoria normativa do Direito a mesma função que a soberania numa teoria política ou, caso se queira, potestativa do direito: tem a função de fechar o sistema [...] Enquanto o poder soberano é o poder dos poderes, a norma fundamental é a norma das normas [...] o tema kelseniano da norma fundamental é perfeitamente simétrico ao tradicional do poder soberano [...] Exemplificando, para a teoria normativa é a norma fundamental que institui o poder de produzir normas jurídicas válidas num determinado território e em relação a uma determinada população. Para a teoria política, é o poder constituinte que cria um conjunto de normas capazes de vincular o comportamento dos órgãos do Estado e, em segunda instância, dos cidadãos (Bobbio, 2008, p. 210-211).
A norma fundamental é potestativa do direito porque lhe confere força, combustível para intervir com eficácia; além disso, como visto, tem a função de fechar o sistema, dar contornos de reconhecimento do que é legítimo, reivindicatório e por vezes limitativo. Se a norma fundamental é a norma que não precisa de justificação, a própria justificativa para a legitimação do Estado é fictícia, quase uma lenda. Acreditar, creditar, dar credibilidade ao Estado, à soberania, ao direito é o que asseguraria sua efetividade, ou seja, a realidade política e jurídica do Estado e do Direito decorre da aceitação de que a ficção jurídica – a crença no direito – é melhor, mais acertada à vida comum do homem médio. De tal modo que o Estado e o direito existem, são eficazes, porque acreditamos em sua existência. De nossa crença, a ficção do direito se torna realidade. Da ficção jurídica de que o caminho do direito é o mais correto, o mais adequado, ou seja, o único caminho a seguir, decorre a própria ideia de poder reinante no Estado de Direito. Quantas pessoas e populações não mantém essa crença no Estado e no direito?
Quantas pessoas são descrentes do Estado e do direito porque essas ficções político-jurídicas não estão presentes em seu dia a dia? Tanto é verdade que, no caso concreto, para se instalar uma unidade da política pacificadora, no Estado do Rio de Janeiro, os policiais fincaram uma bandeira nacional, como se dissessem: “A partir de agora, acreditem, o Estado brasileiro será parte da realidade de todos.
Em outro exemplo concreto, pode-se dizer que o Estado como Poder Público confere fé pública a seus órgãos e servidores – como pretensão de legitimidade – para agir de acordo o melhor interesse público. Assim, a fé pública é uma atribuição conferida pelo Estado a fim de se manter a atuação dentro de níveis de credibilidade adequados. A fé pública é uma espécie de longa manus, em que o próprio Estado se vê representar, atribuindo-se, portanto, direitos e deveres inerentes a esta função pública que é derivada, mas própria, do poder central. O servidor deve agir de acordo com o interesse público e suas ações – como reflexo da fé pública – deverão espelhar o que o “soberano diria” ser o mais adequado para aquela situação. Com a fé pública ainda se atesta a veracidade, a autenticidade, a confiabilidade das informações ofertadas e dos documentados produzidos.
Não deixa de ser curioso, irônico (uma ironia jurídica), o fato de que o positivismo esteja pautado em uma crença, no subjetivismo, na convicção de que o direito (como ficção) será realidade se acreditarmos na primazia da norma fundamental e na soberania do Poder Político: tão supremo que não admite superlativos. Na vida prática, não será difícil verificar que, para muitas pessoas, o Estado é uma ironia política e jurídica. Em todo caso, é uma ficção jurídica
que se confirma pela incidência da razão prática e isso atesta legitimidade ao Estado e ao direito – não obstante o fato de que, nesse panorama, a legitimação do Estado seja um problema não resolvido em toda a sua complexidade.
Bibliografia
Bobbio, Norberto. Direito e poder. São Paulo : Editora da UNESP, 2008.
FLEINER-GERSTER, Thomas. Teoria geral do Estado. São Paulo : Martins Fontes, 2006.
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)
Layde Lana (Mestre em direitos humanos )
Universidade Federal de Rondônia
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