Sábado, 6 de janeiro de 2018 - 14h13
A morte do clássico
Em tempos de puro consumo do tempo, das pessoas e das coisas, citar latim em crônica diária, de jornal cotidiano, é para poucos. Já se foi o tempo em que as pessoas liam jornal, quanto mais o mundo da tradição.
Se hoje não há esperança para os jornais, tamanho o mundo chamado de pós-verdade – a mentira repetida até que se acredite –, que dirá para os humanos que liam Homero em grego.
Assim partiu Cony. Um dos maiores cronistas de todos os tempos, Carlos Heitor Cony não foi anjo, nem maléfico. Sem ser altruísta em demasia, era meio anarquista e sem tempo definido nos verbos que escrevia.
Sem ser ativista político, foi “alienado” (sem recusar o rótulo) em doses que não aprecio. Foi censurado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), mesmo fazendo severos ataques ao Golpe de 1964. Em 2016 apoiou o impeachment, por exemplo. Ou, ao menos, não opôs grande resistência – ainda que desgostasse da Lava Jato.
No entanto, em muitas crônicas pode ser comparado a Rubem Braga, Vinícius de Moraes, Otto Lara Rezende – de quem herdou a coluna diária na Folha de São Paulo. Com estes comecei a ler para ver se um dia conseguiria escrever minhas bobagens, ainda no final dos anos 90. Minha primeira crônica, guardada até hoje, foi publicada no Jornal da Manhã.
Sempre conto esse enredo, porque resume bem minha história de escrever: levei exatamente uma semana para produzir 40 linhas. Não cumpria, evidentemente, o mesmo percurso que tivera nos trabalhos acadêmicos. Aliás, era muito mais fácil – à época – escrever sobre Max Weber do que uma crônica do cotidiano.
Naquele tempo eu também seguia o roteiro. Fazer crônica só podia ser do cotidiano. No passado era até redundância. Hoje é mais difícil explicar do que se trata. Com tantas opiniões em redes sociais, a maioria pensa que faz crônica. É o chamado dos novos tempos. Sem dúvida, pós-modernos, meio-mentirosos.
Todos sabem de tudo, sem saber de nada. Todos falam, escrevem, opinam, sem ler, conhecer. Sem dúvida, todos são conhecidos. Mas, à custa do conhecimento. Não se aprecia o rigor do clássico, do verbo pensado – não necessariamente escolhido.
Hoje, posso fazer o mesmo caminho das 40 linhas – a começar por estas – em uma hora. Lembro-me do Cony dizer que perfazia o mesmo espaço de texto em longos 15 minutos: na máquina de escrever. Eu no computador – se bem que às vezes, em viagem, também escrevo no WhatsApp.
Se não foi propriamente um gênio, Cony era (ou é, para quem o relê) um gigante. Se não foi um especialista, indicou como é melhor a vida do generalista. Se não foi Machado de Assis, revelou que é possível criar gêneros literários.
Cony escreveu a última crônica no dia 31.12.2017, para Papai Noel. Esta é a primeira que faço em 2018. Na verdade, como sempre, fiz a contragosto. Como promessa que não se cumpre, disse a mim mesmo que só faria textos para jornal depois de um descanso de seis meses.
Tudo em vão, porque a escrita é uma compulsão. Acho que esta foi a principal lição que tomei deste clássico do contemporâneo. Quem escreve assim só tem consciência do custo de escrever quando está pagando a conta: nos dedos que doem ou nos dissabores.
Cony também ensinou que as sentenças devem ser curtas, sem ser taquigráficas. A terceira que compartilho é não gostar de grupos, clubes, aglomerados. Fazemos um tipo incomum de “autismo social”.
Fica aqui minha lembrança. Uma modesta homenagem que detestei fazer.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de